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Forte Apache

Assumptos do dia (17) A factura com número de contribuinte, senhor Buddenbrook?

Luís Naves, 21.07.13

 

(Texto publicado também aqui)

 

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Tenho o hábito de discordar de Pedro Marques Lopes (PML), mas a segunda parte deste artigo deixou-me perplexo. O comentador cita uma frase do primeiro-ministro e conclui que este não tem condições para se manter no cargo.
A frase de Passos Coelho citada é a seguinte: "O País precisa de quem não acalente a fantasia de uma súbita e perpétua vontade de o Norte da Europa passar a pagar as nossas dívidas provavelmente para sempre". A finalizar o seu comentário, Marques Lopes atribui ao primeiro-ministro uma “profunda ignorância sobre as causas da crise europeia e portuguesa”. Rendi-me, incrédulo. Seria útil uma explicação sobre as causas da crise, segundo quem não tenha a tal profunda ignorância.
Transcrevo a parte do artigo de PML que interessa:
«Digamos que estas palavras proferidas na Assembleia da República e repetidas no Conselho Nacional do PSD já indicavam que as negociações estavam condenadas. Mas isso seria o menos. O que esta afirmação indica é uma profunda ignorância sobre as causas da crise europeia e da portuguesa, exibe que Passos Coelho é uma espécie de porta-voz da tese que defende que os portugueses são uns preguiçosos que vivem à custa dos trabalhadores do Norte da Europa, mostra um fundamentalismo ideológico capaz de fazer corar a sra. Merkel, reproduz a vergonhosa conversa do viver acima das possibilidades. Bastavam estas palavras para percebermos que Passos Coelho não pode continuar como primeiro-ministro de Portugal".

 

Assumptos do dia (16) Momento crucial

Luís Naves, 19.07.13

Escrevo no momento em que os três partidos que assinaram o memorando de entendimento estão na fase crucial da negociação de um acordo chamado de ‘salvação nacional’. O resultado é ainda incerto, mas queria deixar aqui algumas ideias sobre a crise política, apesar do post poder ficar desactualizado em poucas horas.

 

Tanto quanto se sabe, o que separa os partidos é a ‘reforma do Estado’, ou seja, os 4,7 mil milhões de euros de cortes na despesa pública. Em resumo, este acordo tem no seu osso a questão do segundo resgate.
Se Portugal conseguir cortar na despesa num montante de 4,7 mil milhões de euros, terá concluído o ajustamento. A equação é simples: com o corte, teremos contas públicas sustentáveis; se falharmos, o segundo resgate é inevitável.
Muitos portugueses têm sido mal informados sobre as exigências da troika. Para atrairmos investimento externo e podermos ter crescimento económico e emprego, necessitamos de equilibrar de forma sustentável a balança corrente e o orçamento. O primeiro indicador já é excedentário, o segundo precisa ainda do corte de 4,7 mil milhões. São quase 3% do PIB, ou seja, um pouco mais do que o actual défice estrutural. Mesmo assim, no final do ajustamento, teremos concluído um programa com metade de impostos e metade de cortes na despesa.

Assumptos do dia (15) Os comentários

Luís Naves, 17.07.13

Estamos todos um bocadinho cansados da política e desiludidos com as elites, por isso, talvez mais cínicos, incapazes de vislumbrar um passe de mágica que de repente possa consertar tudo à nossa volta.
Os comentadores mediáticos não ajudam a descodificar a realidade. Muitos nunca souberam (ou não quiseram) explicar à opinião pública a camisa de varas em que estamos presos. Daí que se mantenham tantas ilusões sobre a culpa dos credores ou a simplicidade das alternativas. Os portugueses continuam a acreditar que o Estado não está falido e que bastaria gastar umas verbas (inexistentes) para criar milhões de empregos.
O comentário tem sido dominado por políticos profissionais e nunca percebemos se estão a analisar a situação ou enviar recados. Os factos são escolhidos conforme dá jeito. Um exemplo: o boletim do Banco de Portugal divulgado ontem tinha várias notícias assim-assim, dissecadas ao pormenor pela legião de comentários, e incluía uma boa notícia, que foi quase ignorada.


Refiro-me às previsões para a balança corrente e de capital, que são de tal forma inéditas, que é preciso olhar duas vezes para elas, esfregar os olhos e pasmar. Pois esse indicador, em 2013, poderá atingir 4,5% do PIB, positivos, e 6,4% no próximo ano. Não há memória de algo assim.
Fala-se muito no défice orçamental, que inclui o pesado lastro da dívida, mas menos no desequilíbrio externo, cuja componente mais importante tem sido esta balança, agora excedentária. Em 2008, foi de 11,1% do PIB, negativos, e em 2010 de 9,4%, também negativos, o que atesta bem o descalabro do governo anterior. Foi preciso financiar estes défices gigantescos e o País endividou-se de forma rápida. Se a previsão se confirmar, isso quererá dizer que, durante o ajustamento, a balança corrente melhorou 14 pontos percentuais de PIB, o que significa que o programa está quase concluído. Deixámos de nos endividar e parece haver condições para pagarmos a dívida no futuro.
Os que detestam as boas notícias lembram que isto foi conseguido à custa da quebra de importações e do colapso do consumo. Certo, mas havia outra forma? As pessoas adaptaram os seus padrões de consumo e, mesmo que agora muitos portugueses comecem a abrir os cordões à bolsa, os valores parecem ser sustentáveis. Eles são até um bom argumento para diferir os efeitos da reforma do Estado, os famosos 4,7 mil milhões que estão na origem da crise política.

 

Também aqui

Assumptos do dia (14) O lastro

Luís Naves, 13.07.13

A factura dos juros da dívida é um peso que nos leva para o fundo, tornando mais difícil equilibrar as contas públicas durante uma recessão já de si muito pronunciada.
Mas esta notícia, que está a passar de forma tão discreta, mostra bem o significado de ser um ‘bom aluno’ na crise das dívidas soberanas. A extensão das maturidades, que a oposição tanto desvalorizou quando estava a ser negociada, afinal representa uma poupança imediata da ordem de 2 mil milhões de euros anuais. Este dinheiro poderá ser usado no pós-troika para outros fins, por exemplo, redução de impostos, em vez de ser gasto em pagamentos de juros da dívida monstruosa que acumulámos (mais dinheiro do que gasta o maior ministério).


A notícia significa que, nos próximos dez anos, o País empurra com a barriga o pagamento de 23 mil milhões de euros, que poderá gastar na emergência económica.
Podia acrescentar-se que o mecanismo beneficia dois países cumpridores, Portugal e Irlanda, sendo surpreendente a redução em 17% da verba que estava em pagamento. É possível insistir no copo meio vazio, sublinhando que não existe perdão e que vamos mesmo pagar a dívida: mas uma coisa é pagá-la quando se anda a contar os tostões, outra é esperar por 2023, quando a situação for bem diferente.
Em resumo, este Governo está sob a ameaça de ser substituído no exacto instante em que começam a surgir notícias como esta, os primeiros indícios de recuperação lenta. Isto torna ainda mais incompreensível a crise política.

 

(ver também aqui)

Assumptos do dia (13) Clima anti-parlamentar

Luís Naves, 12.07.13

Ao longo dos últimos meses, foi criada uma onda anti-parlamentar que começa a dar frutos. Algumas dezenas de pessoas manifestam-se nas galerias do parlamento e ninguém acha isso mal, embora seja um exemplo cru de atitude anti-democrática. Os deputados não podem ser pressionados dentro do edifício que simboliza a democracia, muito menos por um grupo organizado.

Foi neste terreno propício à contestação do parlamento e dos partidos que surgiu o apelo do Presidente Cavaco Silva, que desencadeou entre muitos comentadores a defesa do presidencialismo ou de homens providenciais que possam tomar o leme do executivo.


A criação de um clima anti-parlamentar está a transformar-se em contestação aos próprios partidos. Fazendo a síntese de muitas opiniões que tenho lido, a tese é a seguinte: os partidos são incapazes de recrutar gente competente, por isso é necessária uma reforma que reduza a sua importância no sistema.
Segundo alguns autores, o governo de iniciativa presidencial é a consequência natural de um parlamento sem soluções.
A menorização do parlamento vem geralmente associada à ideia da decadência: segundo dizem todos estes autores, os políticos são cada vez menos competentes e esta geração não se compara às anteriores.
Embora seja fácil encontrarmos exemplos que desmentem a ideia, ela continua a fazer um caminho sem contestação. E, no entanto, se olharmos com cuidado, os políticos de hoje são muito semelhantes aos de ontem.

 

     

Assumptos do dia (12) Sismo e tsunami

Luís Naves, 03.07.13

I

O sismo foi inesperado e seguiu-se um tsunami, com duas consequências imediatas: eleições legislativas, provavelmente no início de Setembro, seguidas de um segundo resgate quase inevitável.
Nas eleições, a abstenção será enorme, introduzindo grandes erros nas sondagens. O cenário mais provável, julgo, é o de vitória do PS com maioria relativa e derrota estrondosa do PSD, mas com os dois partidos condenados a entenderem-se. O parceiro menor da futura coligação (certamente o PSD) entra logo em guerra civil.
Enfim, isto parece apesar de tudo mais estável do que uma coligação entre socialistas e Paulo Portas, que ontem cometeu provavelmente o maior erro da sua carreira.

Portas tem o sonho de liderar o centro-direita e a demissão foi um golpe letal no maior adversário, o PSD, que está carregado de feridas internas não cicatrizadas. Passos Coelho é a partir de agora um líder de transição e o seu possível substituto, por exemplo Poiares Maduro, não teve ainda tempo para consolidar a posição e terá de reunir apoio dos outros barões, mas a facada do CDS torna isso mais fácil.
Um governo PS-PSD de dois anos implica impopularidade adicional para o bloco central (a radicalização adicional da política portuguesa) e o CDS conta ocupar parte desse espaço, tornando-se, a prazo, maior do que o PSD.
Entretanto, este último tem uma dificuldade imediata: o que fazer nas autárquicas? Continuar as alianças autárquicas com o CDS não faz sentido, romper essas coligações terá custos eleitorais importantes.

 

Assumptos do dia (11) A via do segundo resgate

Luís Naves, 02.07.13

Portugal está hoje mais perto do segundo resgate do que estava ontem. Esta é a primeira consequência da saída do ministro Vítor Gaspar. Não há novo alento, apenas perigos e estreitar de margens.
Reconheço a validade de muitas críticas feitas a Vítor Gaspar, nomeadamente ter subestimado os efeitos perversos da austeridade, mas o ministro conseguiu credibilidade externa, o que colocou Portugal no caminho da Irlanda, evitando que o País percorresse o da Grécia.
A saída de Gaspar representa o triunfo dos grupos de interesses e dos lóbis, o avanço das corporações profissionais instaladas, dos negócios subsidiados, o sucesso da república dos juízes e da república dos comentadores políticos, a vitória das tácticas partidárias destrutivas e de movimentos sociais não eleitos.

Assumptos do dia (10) Rituais

Luís Naves, 27.06.13

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Em tempos de crise, as pessoas gostam de rituais, tais como greves gerais e procissões para fazer chover. Eles ajudam a tranquilizar as consciências, embora por si não tragam qualquer mudança na crueldade da penúria.
Sendo para mim impossível fazer greve, tenho dificuldade em compreender as afirmações piedosas daqueles para quem o protesto se destina a defender o emprego.
Também não compreendo as indignações com o escrutínio dos sindicatos. Esta é uma polémica lateral, mas reveladora: uma recente pergunta de deputados social-democratas sobre o eventual financiamento público dos sindicatos de professores gerou uma tempestade de críticas. Habituámo-nos a ter agentes políticos que ninguém questiona. Não apenas sindicatos, mas associações patronais, de facto todos os parceiros sociais. Quem são, quem representam, quem os paga? Perguntas proibidas. Qual a legitimidade destas organizações ou a sua transparência interna? E qual a razão de serem tão escutadas? Perguntas impossíveis, num País onde muitos comentadores afirmam, sem contraditório, que o próprio Governo eleito perdeu a legitimidade.

 

Assumptos do dia (9) Vaias e apupos

Luís Naves, 11.06.13

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Em 1920, um governo português durou cinco minutos. Na madrugada de 16 de Janeiro, foi formado um executivo chefiado por Fernandes Costa (uma espécie de Vitor Gaspar do seu tempo), mas os radicais boicotaram essa ascensão das formações que emanavam da direita do partido republicano. Na manhã de 16 de Janeiro, houve tumultos em toda a cidade de Lisboa e, quando os ministros se reuniram no gabinete do chefe de governo designado, a multidão entrou no edifício (hoje, o Ministério das Finanças) e impediu a tomada de posse que se preparava. A reunião dos futuros ministros durou cinco minutos. Este episódio revela a facilidade da criação de climas pré-insurrecionais, mas também a fragilidade de regimes que se submetem à força dos mais barulhentos, aqueles que sempre aos gritos se reclamam ‘a maioria’. Sabemos como acabou a Primeira República e como acabaram as facções moderadas (o pior estava para vir).
Vivemos hoje num regime muito mais democrático e estável do que a I República, ancorado na NATO e na UE, no entanto começam a ser visíveis preocupantes divisões na sociedade portuguesa. As vaias espontâneas do 10 de Junho são um péssimo sinal.

 

Assumptos do dia (8) A espiral da gritaria

Luís Naves, 19.05.13

As redes sociais são sobretudo utilizadas por pessoas das chamadas elites nacionais e estas andaram nos últimos dias numa lufa-lufa em torno da co-adopção por casais homossexuais. Pronunciei-me no passado sobre o tema, mas os argumentos que utilizei (contrários) não fazem a partir de agora grande sentido, pois a co-adopção leva necessariamente à adopção.

Qualquer obstáculo à expansão do universo seria discriminatório e absurdo. A lei agora aprovada beneficia potencialmente as crianças já adoptadas por um dos membros do casal. Terá essa criança óbvias vantagens em caso de morte súbita do pai ou da mãe, por exemplo. Se eu fosse deputado, teria votado a favor desta lei, que tem pelo menos este elemento de justiça.

 

O parlamento decidiu e o post não é sobre a co-adopção, mas sobre a forma das discussões. O que mais me impressionou desta vez foi a ausência de debate e a crispação das diferentes posições, incluindo insultos, rasgar de vestes, retórica sobre alegados avanços civilizacionais, um rebuliço impróprio para cardíacos, homofobia acompanhada pela intolerância oposta.

Sendo este um assunto lateral na vida da maior parte dos portugueses, surpreende a tensão revelada pela fúria da maioria das posições. Os dois campos recusam-se a ouvir a argumentação do outro lado (e há bons argumentos dos dois lados).

A crítica tornou-se impossível. Alguém que escreva uma tontaria e seja criticado por isso, sai à luta com duas pedras na mão. Isto é válido para qualquer debate, do insignificante ao decisivo.

 

Portugal vive numa espécie de desassossego, que terá certamente raízes na crise financeira, mas não apenas aí. Sobre os assuntos verdadeiramente importantes, a discussão tornou-se nula. Os factos são inutilidades. A comunicação social parece ter perdido o norte, embrulhada na verdadeira espiral recessiva, a da seriedade, onde cada notícia má tem de ser pior ainda.