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Forte Apache

A farinha

José Meireles Graça, 30.01.13

Ausentei-me por uns dias do País, com o meritório propósito de vender umas merdas que fabrico a uns clientes que talvez as venham a comprar - coisa corriqueira dessa estranha classe de pessoas ignotas, os donos de PMEs, em nome e intenção das quais se dizem e fazem tantas asneiras.

 

Algumas vilas e cidades, muitos quilómetros, uns quantos incidentes, ausência curta demais para que as saudades batam. Por vício e hábito, no silêncio da noite no hotel, vou dar um giro ao Feice, a ver se aligeiro ou enveneno umas conversas - é conforme.

 

Vejo também os feeds dos blogues que sigo - mais de uma vintena, benza-me Deus - e as notícias da terrinha. Tropeço numa, e paro. O Banco de Portugal organiza uma conferência, é? Devem ser assuntos da supervisão, ou do Euro, ou lá dessas coisas misteriosas em que se ocupa um organismo cujo director se trata por "Governador" e cuja sede tem, suponho, umas caves onde se guarda o que resta da pesada herança.

 

Nada disso: O objecto da iniciativa é "Para uma reforma abrangente da organização e gestão do sector Estado". Ora bolas: se a conferência fosse para explicar por que razão é que o Banco de Portugal (como alguns outros bancos centrais) tem feito a clássica figura do corno da clássica história, passando ao lado, por exemplo, do BPN, do BPP e da nebulosa história do BCP, ainda se compreendia. E faria até sentido que os dirigentes aparecessem simbolicamente com umas orelhas de burro; ou convidassem o ex-Governador Vítor, com a condição de este vir com uma grossa corda ao pescoço.

 

Mas reformar o "sector Estado"? E o BP acha-se com autoridade para isso por alminha de quê ou de quem?

 

Ah não, isto é só a sociedade civil a falar, convidaram umas pessoas de reconhecido mérito para darem o seu contributo, por certo se dirão ali coisas de grande alcance. Bom, vejamos este conferencista, que diz ele? Diz o seguinte:

 

"A reforma da administração pública tem que ser uma das principais prioridades da acção do Governo e da supervisão do Parlamento – a par do saneamento das contas públicas – para o qual tal reforma pode dar determinante contributo – e da criação de condições para o crescimento económico".


A sério, Santos? Achas então que o Governo, o Parlamento e a opinião pública têm estado a dormir mas, agora que os espevitaste, fez-se luz e vão todos a correr reformar, sanear e criar condições. Mais vale tarde que nunca, realmente, mas porque tens estado calado, Santos? É que a coisa, sabemo-lo agora, é luminosamente simples, como se depreende das tuas palavras:

 

"Para uma reforma abrangente da organização e gestão do sector Estado”, sustenta que “deve haver um membro do governo com grande autoridade, cuja única responsabilidade deveria ser a execução da reforma perante o qual devem responder todos os ministérios".


Fallait y penser: um membro do Governo, perante o qual todos os outros respondem ... Espera - não é isso que faz o Primeiro-Ministro? Mau, Santos, não estás a adiantar muito. Deixa ver mais:

 

"... os cortes de custos não deverão ser transversais, sem critérios qualitativos e não deverão ser feitos todos de uma só vez”. Isto porque “as políticas têm que estar apoiadas em valores e criar cultura”.


Neste passo, confesso que comecei a ficar um tanto circunspecto: já tenho ouvido dizer muito mal dos cortes transversais e continuo à espera de que se me explique onde devem incidir se forem longitudinais. Porque sem essa explicação a tese é sem dúvida profunda, mas um pouco demais: não se percebe. E queres às pinguinhas, Santos? É capaz de não ser grande ideia: as anestesias, com o tempo, perdem efeito. Quanto aos valores e à criação de cultura, temos definitivamente a burra nas couves: todas as políticas são apoiadas em valores, estas ou outras; podem é não ser os valores mais recomendáveis. E a cultura é uma palavra apanha-tudo: ou se diz que conteúdo tem ou não significa nada.

 

O resto do discurso (pelo menos a parte que a imprensa refere) são mais pilritos, pelo que ainda passei a outro conferencista, um desses que, para reformar o Estado, quer reformar o sistema político. Imagino que isto queira dizer, como quer quase sempre, que a reforma consista em garantir que só lá vai parar quem ele entenda que tem "qualidade", mas a notícia é lacónica e o assunto eriçado de dificuldades, pelo que ficará para outra maré.

 

Abençoada internet, que me permite estar cá fora sem sair lá de dentro. É como dizia uma, creio, personagem de Eça: o nosso país é um torrãozinho de açúcar. Claro que o açúcar, às vezes, não passa de farinha, mas quand même.

Em estando longe vê-se melhor

José Meireles Graça, 13.12.12

Uau, agora é que vai ser: A mesma entidade vai proceder à supervisão dos bancos, seja uma casinha discreta como o BANIF seja um gigante alemão. Ainda ficam de fora à volta de seis mil bancos, mas o tempo deles chegará - era o que faltava uma nova burocracia ter terreno para crescer e não o fazer.

 

Diz o indispensável Costa: "Para os bancos portugueses, a decisão tomada pelos ministros das Finanças da União Europeia (UE) na última madrugada significa que ficam em igualdade de circunstâncias com os seus parceiros europeus. Potencialmente, pelo facto de serem supervisionados pelas mesmas instituições e da mesma forma, deixarão de ser prejudicados pelo facto de serem portugueses e de existir um risco maior associado ao Estado, o que lhes pode facilitar o acesso aos mercados".

 

Portanto, o tipo de créditos que os bancos detêm, a maior ou menor exposição a dívidas soberanas duvidosas, as suas disponibilidades de capital e de crédito, numa palavra, a sua solidez - os mercados não vão olhar para isso. Cada uma das entidades que constitui "os mercados" (o Instituto de Gestão dos Fundos da Segurança Social, o equivalente da Cochinchina, bancos e todas as inúmeras instituições e pessoas que, em todo o Mundo, têm disponibilidades e as querem aplicar) vai olhar para o vizinho, reflectir, cair-lhe efusivamente nos braços, e dizer aos corretores, suspirando de alívio: aplique-me aí x milhões numas obrigações de um banco. Qual banco, excelentíssimo senhor - há várias emissões? Ora, no que der mais - é tudo de confiança.

 

Não duvido nada que para encabeçar esta supervisão se recrutará do melhor que o próprio sector oferece. E havendo milhares de candidatos com o perfil adequado, não resisto a dizer que Vítor Constâncio teria um óptimo desempenho, não obstante um ou outro deslize, como o do BPN; um ou outro frete, como a previsão do défice orçamental no tempo do negregado Santana; uma ou outra previsão errada, como todas as que fez; e algum deslize teórico, como a afirmação de que, com a adesão ao Euro, se virava uma página no capítulo das dívidas externas dos países aderentes.

 

Em todo o caso, parece líquido que aquilo que a supervisão americana não conseguiu, donde o sub-prime; ou a supervisão inglesa, donde o Northern Rock; ou a portuguesa, donde o BPP - será conseguido se o regulador estiver longe. E compreende-se porquê: em estando longe vê-se melhor.

 

Por mim, ficaria contente se este novel organismo levasse a que os bancos portugueses abandonassem certas práticas de banditismo, como taxas de juro alucinadas ou débitos por inexistentes serviços; e se o financiamento chegasse onde é necessário (aquela coisa meio obscura da exportação de bens transaccionáveis, por exemplo).

 

Se me é permitida uma nota pessoal indiscreta, estou com fortes esperanças. Nisso e no renascer dos cabelos que perdi nos últimos dez anos. 

O banquinho de fomento

José Meireles Graça, 27.11.12

Não acho mal que um banqueiro possa telefonar ao PM e eu não: se o Governo tomar uma decisão errada que me afecte negativamente, não serei certamente o único, por haver muita gente nas minhas circunstâncias; e se cada um dos afectados pudesse telefonar ao PM, o pobre homem não fazia mais nada senão atender telefonemas.

 

Já se for um banqueiro, bem, eles são relativamente poucos. E o que os afecta a eles afecta-nos a nós, porque desde que se entendeu que os bancos não podem falir, e que temos que cuidar não apenas de que não vão à falência, mas também de que gozem de saúde financeira, sempre os problemas dos bancos deixaram de ser não apenas dos accionistas, administradores e depositantes, mas nossos.

 

E, por maioria de razão, não acho mal que um banqueiro telefone ao Governador do Banco de Portugal. Mas já acho mal que este se sinta obrigado a dar explicações: teoricamente temos um organismo especializado na superintendência dos bancos, que, ao menos em relação àqueles que beneficiaram de garantias do Estado - nossas - para a injecção de capital, deveria comportar-se sem a subserviência que é tida por normal.

 

Sucede que já nada, entre nós e na UE, é normal. E para aproveitar os vinte mil milhões que se vão receber para a UE fingir que o espaço europeu é coeso, ao mesmo tempo que justifica  as suas agências de burocratas e as dos Terreiros do Paço dos países contemplados, surgiu a ideia peregrina de um banco de fomento.

 

A ideia é completamente idiota: o Estado já tem um banco, e devia ter uma palavra a dizer nesse e nos outros, seguramente em relação a essa pitança que vem das estranjas, não para escolher os beneficiários mas para se assegurar que o dinheiro não fica pelo caminho.

 

Isto concedendo que não é possível afectar o bolo ao seu destino razoável: pôr o Estado a pagar a tempo e horas e não cobrar IVA a quem ainda não o recebeu. Bastaria para que o dinheiro chegasse à economia. Mas, parece, não é viável: ninguém teria que decidir nada caso a caso e nem se criariam lugares para gente muitíssimo importantíssima nem ninguém teria que ficar grato.

 

Seja o banco de fomento, então: mas é preciso pedir licença?  

Os Irmãos Dalton

José Meireles Graça, 21.09.12

Artigo 226.º - Usura

 

1 - Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele se obrigue a conceder ou prometa, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

 

A nova norma para taxas de juro no crédito ao consumo, que pretende combater eventuais práticas de usura, considera 'usurário o contrato de crédito cuja TAEG [encargo total para o cliente] exceda em um terço a TAEG média praticada no mercado pelas instituições de crédito ou sociedades financeiras no trimestre anterior'.

 

Um privatus que, com a taxa de inflação actual, contraia um empréstimo a uma taxa de 37%, pertence a uma das seguintes categorias:

 

a) Oniómano

b) Desesperado

c) Incauto

d) Louco

e) Vítima de publicidade enganosa, lapso, falta de informação sobre o saldo disponível na conta ou débito erróneo ou abusivo.

 

O Banco de Portugal, uma agência paga com o dinheiro dos contribuintes para fazer previsões económicas erradas, estar ao abrigo dos cortes a que estão sujeitos a maior parte dos serviços públicos, oferecer opiniões extemporâneas e sobranceiras sobre assuntos em relação aos quais o silêncio seria a melhor política, acolher gurus da economia e finanças pagos a peso de ouro e, finalmente, superintender o sector bancário, dá, de toda a evidência, cobertura à prática de crimes.

 

Deve ser por isso que os responsáveis têm uma tão marcada inclinação para os fatos às riscas: é assim que os presidiários costumam ser representados. 

O banco cego, surdo e palrador

José Meireles Graça, 03.05.12

A gente lê uma notícia destas e sente um frio na espinha: a mesma instituição que custa os olhos da cara ao contribuinte para nunca acertar previsões, e que falhou rotundamente na supervisão, acha que há “evidência casuística” de dificuldades das empresas no acesso ao crédito - uma formulação pretensiosa para recobrir o que entra pelos olhos dentro de qualquer imbecil que não ande a dormir. Também garantiu que o Banco de Portugal “não é surdo e regista as queixas das empresas”.


Olha, ó fonte do Banco de Portugal: Cega sabemos que a tua entidade patronal é; criminosa também - autoriza com naturalidade taxas de agiotagem aplicadas a quem está em estado de necessidade, exactamente como faz a Máfia; e duvidamos que não seja dura de ouvido, por não ter ouvido nada do que se disse anos a fio da gestão do BPN e das moscambilhas da CGD e do BCP, entre outros. A tal evidência casuística, por sua vez, já está meio apodrecida, por ter mais meses de vida que os necessários para uma elefanta dar à luz.


Mas para registar queixas não precisamos de centenas de funcionários com estatuto de excepção, governados por um incontinente verbal pago a peso de ouro - basta um PC ligado à Internet e um gravador de chamadas.


Quantas mais empresas terão que fechar, e trabalhadores irem para o Dubai ou o Luxemburgo, até que estas luminárias percebam o que andam a fazer?

A usura oficialmente virtuosa

José Meireles Graça, 25.03.12

É hoje relativamente pacífico que o Euro, enquanto os emprestadores viveram na ilusão de que as dívidas externas dos países que a ele aderiram não tinham importância, permitiu que a economia portuguesa se financiasse, fosse para investimento público, privado ou ainda para consumo, a taxas irrealistas.


Daí os delírios do investimento público não reprodutivo, do endividamento de empresas e famílias, do crescimento baseado no consumo de bens importados e da expansão do Estado Social sem economia que o suportasse.


Todos os problemas que a economia portuguesa enfrenta decorreram de escolhas políticas. E esta verdade triste fica reforçada pelo facto de um demagogo dinâmico,  convincente e trafulha como Sócrates, acolitado por um colégio de economistas mentecaptos da lamentável escola Constâncio, ter beneficiado de legitimidade democrática reiterada.


É assim - o Povo pouco entende de economia, nem se espera que entenda, e os economistas também não, embora se imagine que sim.


A Deusa Economia, com tempo, acerta todas as contas, indiferente aos sacerdotes que, em nome dela, têm êxtases e visões. E que muitos fiéis sejam triturados no processo está na ordem natural das coisas.


Estamos nessa fase - do acerto e da trituração: afinal consumir não é boa ideia, importar ainda menos, e a palavra de ordem é pagar os calotes dê por onde der.


Mas isto é o País e os malditos diabos estrangeiros. Entre nós, e com os burocratas e plutocratas locais, conviria que os penitentes (porque votaram escolhendo miragens) não fossem ademais vítimas de uma banca incrivelmente cúpida, estúpida e mal gerida, com a chancela e a conivência do organismo público cuja missão é, entre outras, a de evitar abusos.


É que os dicionários definem usura ou agiotagem como o delito cometido por quem empresta dinheiro, cobrando taxa excessiva de juros. E não há outra maneira de classificar isto: Cartões de Crédito, Linhas de Crédito, Contas Correntes Bancárias e Facilidades de Descoberto - 36,5%.


Estas taxas são mafiosas. E não deixam de o ser se defendidas por sábias explicações académicas, fatos de riscas, vozes graves e prestígio de pacotilha.


Que a nomenclatura europeia, com a característica estupidez das burocracias privilegiadas, sofra de cegueira contumaz e crie as condições para a sua própria extinção, a prazo, é da ordem das inevitabilidades e, para mim, uma feliz perspectiva; que entre nós e connosco, o roubo seja coonestado por quem tem obrigação de o prevenir releva do domínio do incompreensível.


Ou talvez não.