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Forte Apache

O Estado à mesa

José Meireles Graça, 17.12.12

Agora que a festa está a acabar, quem tinha que projectar, projectou; quem tinha que construir, construiu; quem tinha que dinamizar, expôr e artistar, dinamizou, expôs e artistou.

 

Os próceres, com Sampaio à cabeça, apareceram, discursaram e opinaram, recolhendo os seus merecidos óbolos. E os organizadores e o staff lá tiveram os seus honoráriozinhos, e um ou outro receberá uma medalha.

 

A cidade exultou e o contribuinte pagou. O circo vai para outras paragens, visto que a Europa, sem uma Capital da Cultura decidida por burocratas, fica atascada na mais negra incultura - nós queremos happenings, espectáculos, exposições e desfiles, grátis.

 

Mas é claro que o grátis de uns é a despesa de outros. E, ademais, põe-se agora o problema do que fazer às tendas da feira que se desmonta, visto que algumas são de cimento.

 

João Serra não tem dúvidas: "O Estado tem de se sentar à mesa com a Câmara". Isto deixa um contribuinte pávido: sentar à mesa, é? E quem paga o almoço?

 

João esclarece: "O financiamento da Cultura em Guimarães não pode deixar de ser autárquico, estatal, privado, mecenático e europeu".

 

Esclarece ele e traduzo eu: Venham subsídios de onde vieram sempre; e não se exclui a hipótese de arranjar aí um trouxa, ou um interesseiro, para fingir que não são os contribuintes a sustentar o forró - essa coisa do mecenato sempre dá um ar de "sociedade civil" dinâmica e protectora dos "bens culturais".

 

Mas enquanto os mecenas não aparecem - há que ser prático - alguém tem que encostar a barriga ao balcão. E João suspira de satisfação por a autarquia ter dado "um sinal fundamental ao fazer aprovar em orçamento três milhões de euros para a Oficina, o que garante o financiamento em condições idênticas às dos melhores anos de investimentos culturais".

 

Três milhões a mim parecem-me, realmente, um sinal fundamental. E para continuar a ter na minha cidade instalações plásticas sonoras, exposições de telas borradas a óleo, espectáculos sortidos para ver os quais ninguém esta disposto a pagar bilhete, e sustentar artistas residentes, até me parece uma coisa deliciosamente florentina: pode bem aparecer por aí um Donatello ou um Bronzino, na versão apreciadores de vinho verde. 

Comparações extemporâneas

José Meireles Graça, 31.08.12

O Castelo de Noudar,

 

 

 

infelizmente, ameaça risco de ruína, e a visita que lá fiz no meu périplo de férias não poderei repeti-la tão cedo, nem ninguém.

 

 

 

Para lá chegar, tive que percorrer à volta de 20 km de uma poeirenta estrada de macadame no meio do mar amarelo do Estio alentejano. Mas valeu a pena, que o castelo tem idade e história, e mora nele ainda, para todos os que veem o que lá não está, a memória da luta tenaz que faz com que possamos acreditar que Portugal, com desgosto é certo de muitos Mários Soares e muitos Freitas do Amaral, não possa tornar-se ainda, mesmo que coberto de calotes e ignomínias, uma província distante do Império loiro.

 

Visto por dentro, o recinto dá pena: mato por todo o lado, detritos e desleixo, apesar do guarda da Câmara de Barrancos que lá está acantonado num barraco miserável.

 

Não há dinheiro. Fosse eu de esquerda e acharia que tem que haver dinheiro: esbulham-se os ricos, não se paga a credores, cria-se uma taxa, manda-se o BCE pôr as rotativas a trabalhar (mais), mas dinheiro tem que haver.

 

Não sou de esquerda. E como os recursos são escassos, gosto de pensar que reclamar sobre despesa que se deveria fazer só faz sentido se se reclamar de despesa que não se deveria ter feito.

 

Hoje fui ver o Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), integrado na Plataforma das Artes e da Criatividade e fiquei impressionado pela grandiosidade do edifício, o luxo das instalações, a nobreza dos propósitos ("espaço público singular e qualificado, com atividades dinâmicas e apelativas e espaços de socialização e vivência comunitária")

 

 

 

 - e o preço (treze milhões seiscentos e tal mil).

 

    

Nem quero pensar no que custará manter aquelas instalações, as exposições, os ateliers e os Laboratórios Criativos: estes serão "gabinetes de apoio empresarial destinados ao acolhimento e instalação de atividades relacionadas com as indústrias criativas, apostando na inovação e projetos empreendedores".

 

Apostando na inovação, é? Pois eu não vejo com bons olhos jogos de apostas com o dinheiro do contribuinte. E fico a pensar na pequena multidão que organiza, fala, escreve, cria - e recebe dinheiro público para fazer tudo isso.

 

A Plataforma tem quem fale por ela. E o Castelo de Noudar?

 

P.S.: Um casal de turistas belgas estava também a ver o Castelo. E a modéstia impede-me de dizer o nome do amável cavalheiro português que, sob um calor de ananases e suando em bica, lhes mudou um pneu enquanto se agitavam a fazer sugestões tolas e chegarem ferramentas inúteis.

"Construsons" do lixo ao luxo poético

José Meireles Graça, 29.08.12

Confesso: sou admirador de João Ricardo de Barros Oliveira. A primeira obra (Vi:Ela Sentada) que tive o privilégio de conhecer deste escultor sonoro foi uma epifania, e delas (da obra e da epifania) dei pávido testemunho aqui.

 

No meu post acima referido já se anunciava a 5ª Sound. E ela aqui está, gloriosa, "um galinheiro amplificado, na Horta Pedagógica, em Guimarães, composto por um teclado musical suspenso e coberto de milho. O esgravatar das galinhas e dos galos e o som que produzem ao comer o milho nas teclas do piano, dão forma ao laboratório vivo de sonoridades."

 

Fallait y penser. Nas palavras imorredoiras do artista: "...apesar da muita 'inspirasom', durante a criação, há sempre uma 'insatisfasom' no processo criativo." E acrescenta: "Estou sempre à procura do som perdido que ainda não encontrei e espero não encontrar"; e "Há todo o levantamento e canalização para o som, a canalizasom."

 

Também esperamos - eu espero - que não encontre. De modo a que continuemos a ser brindados com obras que elevam as almas nestes tempos deprimentes que estamos a viver.

 

Estas coisas custam muito dinheiro ao contribuinte europeu, e portanto também a nós. Mas a Cultura, não é verdade? - não tem preço.

 

O tapume

José Meireles Graça, 13.08.12

No meu último post, ao referir-me à realização da Quinta Sound no corrente mês, informei erroneamente que consistia num Concerto para Galinha e Pato. Entretanto, pude inteirar-me, através da agenda oficial da Capital Europeia da Cultura, que aquela instalação plástica sonora se denomina afinal 5ª Sound - Concerto para Galo, Galinha e Pato. Aqui fica a rectificação e o alerta.

 

Pude através da mesma Agenda tomar conhecimento de outros eventos que merecem atenção, e destes não posso deixar de salientar o Concerto para Chávena, Galão e Bolo, uma "performance" da Lixoluxopoético a decorrer na Horta Pedagógica - a não perder - e o Shelter Bygg, um objecto escultórico habitável.

 

Este ambiente artístico em que está mergulhada a minha Cidade não me deixa, nem a ninguém, indiferente: ainda hoje de manhã me perdi com turistas na contemplação deste painel, que me pareceu uma alegoria particularmente bem conseguida à Juventude, à Irreverência, às Guerras - o vermelho sanguíneo do fundo - e à Globalização (a camiseta amarela representando a adesão da China à OMC), antes de me aperceber que era um tapume para obras devidamente licenciadas.

 

Fruta da época

José Meireles Graça, 11.08.12

Quando era miúdo, tropeçou numa figueira, bateu com o joelho num tanque e caiu-lhe um dióspiro na cabeça. O dióspiro ficou até hoje a sua fonte de inspiração. E foi ela, a inspiração, mais o convite da Direcção da Capital Europeia da Cultura, que o levou a conceber esta instalação, na qual uma sardinha que caiu de uma varanda e, escorregando num guardanapo que estava a secar, aterrou num balde de lampreias, também desempenhou um relevante papel.

 

O autor diz ser "casado com o som e contra o divórcio sonoro", e que "os contentores do lixo são as minhas bibliotecas e as minhas enciclopédias". E a sua criatividade é esfusiante: prepara para o corrente mês a "Quinta Sound", que inclui um "Concerto para Galinha e Pato".

 

As extensas declarações do artista, para as quais remete o link acima, merecem a visita, ao menos para quem não seja indiferente à "sensibilização e sentido crítico e da mudança de atitudes e valores". Porém, quem for insensível, não tiver razões para mudar de atitudes, e estiver satisfeito com os seus valores, pode também ouvir as declarações, que não dará o seu tempo (e dinheiro - estas coisas saem caro) por perdido: não me recordo de nenhum monólogo tão cómico em todo o cinema português.

 

P.S.: Embora se passe na minha cidade, acedi a esta história por este post (vergonha minha - um lisboeta mais atento do que eu).