Crónicas de cinco-réis (X)
Instalou-se na blogosfera um dos mitos mais peculiares, segundo o qual existem dois tipos de jornalismo, o bom, que se caracteriza por uma pureza lava mais branco, e o mau, que é uma pérfida manipulação conspirativa. Neste post de Nuno Lobo explodem algumas ilusões e preconceitos sobre o meio jornalístico que resultam deste mito.
Não me vou alongar, nem serei exaustivo na minha crítica ao post de Nuno lobo. Há de imediato um problema: o que é o "jornalismo interpretativo", em oposição a outra coisa qualquer? Por definição, o jornalismo é uma interpretação do real, envolve sempre um ponto de vista. Não há notícias neutras, nem reportagens, nem crónicas, nem entrevistas. Qualquer jornalista que afirme o inverso já perdeu a neutralidade, para além de negar o próprio uso da inteligência. Aliás, até a estupidez consegue interpretar uma parte do que está à sua frente.
Também são estranhas as frases do autor "a política não incumbe ao jornalista" ou os "relatos meramente objectivos". Tudo isto me parece ser uma ilusão. Na realidade, o jornalismo sempre esteve ligado à política activa. Jornalismo e política são gémeos siameses, em democracia ou ditadura. No caso da democracia, ninguém elege os jornalistas, mas estes estão (tal como os políticos) num ramo que depende da credibilidade, o que explica a circunstância de tantas carreiras serem efémeras. Ao contrário do que afirma Nuno Lobo, o escrutínio faz-se em cada momento.
Levada ao extremo, a tese do jornalismo bacteriologicamente puro pode levar à limitação dos direitos cívicos, ao empobrecimento extremo da matéria jornalística. O autor até podia ter levantado um problema bem mais interessante: a política activa disfarçada de comentário político.
Quando ouço argumentos sobre a separação entre jornalismo e política, a necessidade de criar severos mecanismos de escrutínio e regulação, sorrio sempre. Convém ao poder, a qualquer poder, dispor de uma imprensa dócil. A suposta 'neutralidade' significa apenas domesticar o ponto de vista e a interpretação dos factos, não é mais do que excluir todas as hipóteses de interpretação, menos uma.
Vivemos na época da relatividade. Neutro, nem sequer o cemitério.
Aqui, um texto mais elaborado com a mesma argumentação.