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Forte Apache

Memórias da II Guerra Mundial - Winston Churchill

Carlos Faria, 10.01.13
 

 

Saber o passado é sem dúvida uma das vias para melhor se compreender o presente e perspetivar o futuro, com  estas memórias Winston Churchill foi laureado com o prémio Nobel da literatura em 1953, livros que não pertencem ao domínio da ficção ou da poesia.
O presente livro é uma compilação do autor dos seus anteriores 6 volumes de memórias, mesmo assim, este resumo continua extenso, mas tem a virtude de mostrar uma visão pessoal dos tempos que foram desde o fim da primeira grande guerra até uma década depois do fim da II Grande Guerra (IIGG), época em que se começou a sonhar com uma Europa unida que deu origem à União Europeia.
A obra apresenta uma escrita descomplicada, por vezes com excertos de correspondência oficial e pessoal do período a que dizem respeito os acontecimentos relatados, o que permite compreender como este homem viu, temeu e previu o que levou à IIGG e como lhe foi parar às mãos a árdua tarefa de enfrentar Hitler, isto após um conjunto de erros que conduziram a que este ditador, não só tomasse o poder na Alemanha, como também se tornasse uma ameaça a todo o mundo livre da Europa.
Uma ideia é justificada na primeira parte do livro: nunca a Europa teve tanto tempo e possibilidade para evitar uma guerra como antes da IIGG, mas a cobardia minou as democracias e deu força ao ditadores.
Depois dá para ver como os erros do passado saem muito caros no futuro e por vezes quem os tem de corrigir não são os culpados da história, contudo a determinação é difícil embora fundamental, sobretudo quando taticismos ensombram a boa vontade nos momentos de enfrentar os problemas, mas não se pode desistir quando os valores da liberdade estão em perigo.
Ironicamente, o homem que salvou a democracia foi o primeiro a ser derrotado por esta na época da sua vitória na guerra.
Um extenso livro repleto de pensamentos que dão para perceber muitos dilemas de alguém que teve de enfrentar os problemas dos povos num período que mudou a Europa... que talvez tenha sido mesmo o início do declínio do velho mundo, mas isto já é uma reflexão minha.

 

Gente Independente de Halldór Laxness

Carlos Faria, 14.11.12

 

Há livros cuja dimensão da sua estória e mensagem se tornam o cerne de uma obra prima literária que forma espíritos e por isto devem ser lidos.
"Gente Independente", de Halldór Laxness, já tem 77 anos e o seu protagonista, em vez de ser um islandês, poderia ser o povo português do século XX e a revolta contra o sistema poderia ter sido escrita hoje 14 de novembro em Portugal.
"O homem não é criminoso o bastante para saber viver dentro deste sistema social."
É uma frase forte, mas muito bem demonstrada pela resistência e lição de vida, roçando a obstinação e por vezes cruel, de Bjartur para se tornar num homem livre.
Um romance duro, cruel, terno, irónico, doloroso, romântico, comovente e revoltante que - apesar de uma escrita densa, alguns parágrafos muito extensos, com nomes de personagens impronunciáveis e por vezes demasiado semelhantes que obrigam a um certo esforço - deveria ser lido por todos.
Provavelmente será o romance que maiores marcas me deixará em 2012 e só por si justifica o Nobel que o seu autor recebeu, sem dúvida alguns não concordarão com tudo o que Halldór pretendia dizer, aliás o autor evoluiu no pensamento político e inclusive sentiu-se defraudado com muitos comportamentos dos sistemas que defendeu, mas também dá perceber muita da revolta que gente honesta hoje em Portugal sente sem nunca ter partilhado ideais políticos de esquerda.

Transição de Todos os Santos para o Halloween

Carlos Faria, 01.11.12

Pelo menos nos tempos mais próximos parece que o 1.º de novembro deixará de ser o feriado religioso de Todos os Santos. Em paralelo, a noite que o antecede vem desde algum tempo a sofrer a aculturação anglossaxónica e a transformar-se na noite das bruxas ou do halloween.

Nada tenho contra as tradições anglossaxónicas em terras com predominância de cultura inglesa, até porque partilho uma dessas nacionalidades, mas em países católicos latinos deixar-se influenciar por ritos pagãos estranhos, apagando as tradições locais, já é algo que considero ridículo e de falta de brio na cultura de raiz desse povo. Todavia, a hierarquia católica, no conjunto de vários feriados religiosos, optou por manter uma série de vários relacionados com o culto mariano, que não precisa de ser incentivado por estar bem vivo, em detrimento de celebrações fixas no calendário de outras festas litúrgicas. Nisto o Todos os Santos foi um dos sacrificados.

Todos os Santos, mesmo sendo parcialmente desvirtuado pelo aproveitamento do culto dos finados do dia 2 (uma confusão que em nada retirava o caráter cristão da data), esquecendo o comércio em torno do Natal, era o único feriado religioso ameaçado por uma retoma pagã da data e foi precisamente esta ameaça que a hierarquia católica alimentou com a sua opção.

Doravante, a noite de 31 de outubro será cada vez mais halloween para um 1.º de novembro sem santos e quando quiserem trazê-los de volta, talvez tal só sirva para que os festejos pagãos se possam prolongar mais pela noite dentro.

Amigo não empata amigo!

Joana Nave, 04.08.12

Existem milhares de teorias sobre o ser humano e a sua capacidade ou incapacidade de sociabilizar. Por um lado, as pessoas que não têm amigos, ou são muitas vezes vistas sozinhas em público, são logo rotuladas como pouco sociáveis, mau feitio, antipáticas, manientas, e por aí fora. Por outro lado, um psicólogo poderá inferir uma teoria muito interessante acerca das pessoas que nunca vão sozinhas a lado nenhum. Uma pessoa que não vai ao café, restaurante, cinema, teatro, concerto, etc, porque não tem companhia, poderá sofrer de uma incapacidade de estar consigo mesma.

Eu sou uma pessoa sociável e, por vezes, até tenho bom feitio e sou simpática, embora não consiga abdicar das minhas manias. No entanto, gosto muito de estar comigo mesma e de fazer programas sozinha. Não me considero mais do que ninguém por poder fazer coisas acompanhada ou sozinha, simplesmente defendo os meus gostos e, se não for possível conciliá-los com os dos outros, não deixo de fazer nada por não ter com quem partilhar aquilo que gosto.

Concordo que é muito agradável poder partilhar com alguém aquilo que nos dá prazer, mas os meus hobbies preferidos - ler e escrever - são praticados em silêncio ou com uma música inspiradora. De facto, não preciso que ninguém me segure o livro ou a caneta. E a parte da partilha é o que faço, por exemplo, através dos blogues em que escrevo. O mesmo se aplica aos filmes que vejo, até porque acho insuportável que as pessoas comentem o filme enquanto o estão a ver (lá está a mania).

Já marquei mesa para um, já comprei muitos bilhetes individuais e a verdade é que me divirto imenso comigo mesma e reconheço que, se não formos uma boa companhia para nós mesmos, não o seremos para ninguém. Além disso, acho que é fundamental termos os nossos próprios interesses e não andarmos simplesmente à boleia dos outros. Quando alguém me convida para uma actividade que nunca experimentei, nem que mais não seja pela curiosidade, aceito quase sempre e com muito entusiasmo, mas só o farei de novo se a actividade for realmente do meu interesse. Acima de tudo, temos de ser em primeiro lugar verdadeiros connosco para depois o sermos também com os outros. Ninguém vai gostar mais de nós por estarmos a fazer algo que não gostamos. Fazermos algo contrariados pode criar mágoas e dissabores que de futuro não servem nenhuma relação.

Por isso, e com muito gosto, continuo a frequentar espaços como a Cinemateca, o King, a ouvir jazz, música clássica, ópera, e a ler autores portugueses, entre muitas outras coisas com que me rotulam de "intelectual". Pouco me importa! E tenho a certeza que fazendo estas coisas acabo por encontrar pessoas muito interessantes que partilham os meus gostos. Além do mais, amigo não empata amigo!

A vã glória de aborrecer

José Meireles Graça, 22.07.12

Lembrei-me dele por causa deste post, no qual um interminável soporífero é recomendado, sem piedade, a indefesos meninos e meninas.


É triste, mas as coisas são o que são: na ordem natural das coisas, Manuel de Oliveira não durará muito mais. Antecipo, para quando morrer, uma longa série de declarações oficiais, uma comoção nos meios de comunicação social, horas e horas de entrevistas, recensões de publicações no estrangeiro, bandeiras a meia haste e o mais de que se lembre quem há muito o promoveu a génio.


Enquanto é vivo, posso ainda dizer: Manuel de Oliveira é um realizador cujos únicos méritos consistem em fazer filmes de tal modo maus que quase ninguém acredita que possam ser tão maus como parecem, teimar em fazê-los para lá de todo o enjoo e toda a indiferença de quem não o tolera mais de dez minutos, e durar há décadas. Esta durabilidade é em parte chave do sucesso - em Portugal qualquer artista que produza tenazmente e ultrapasse os quarenta tem pelo menos talento e, se ultrapassar os setenta, passa automaticamente ao estatuto de génio - é a genialidade em regime de diuturnidades.


Fosse eu a personagem importante que com grande pena minha não sou, estas linhas singelas mereceriam um coro de indignados protestos de quanto intelectual profundo leu dez livros da moda e viu uma dúzia de clássicos da VII Arte; não falando dos que defendem a produção artística a golpes de subsídios, que são quase todos os que têm importantes mensagens a comunicar aos seus contemporâneos distraídos.


Se houver porém quem goste genuinamente das estopadas que Oliveira regularmente debita, relevar-me-á o atrevimento se se lembrar que, como contribuinte, paguei; e era o que mais faltava se, além de pagar, não pudesse refilar.

Dois ensaios sobre a arte contemporânea

Luís Naves, 19.05.12

Dois vencedores do Prémio Nobel da Literatura (Orhan Pamuk e Mario Vargas Llosa) escreveram recentemente pequenos ensaios, com a característica comum do estilo elegante e da riqueza de ideias.
O escritor turco publicou um livro já traduzido em português O Romancista Ingénuo e o Sentimental (Ed. Presença) que junta as suas conferências sobre literatura, na Universidade de Harvard. Estas conferências são uma velha série que já deu pelo menos um outro livro famoso sobre a arte da escrita, Aspects of the Novel, de E. M. Forster (este último escrito nos anos 20, é provável que esteja em português, mas só conheço a versão inglesa).
Julgo que o livro de Pamuk não é apenas sobre a escrita, mas sobre o prazer da leitura. O texto está repleto de observações acessíveis, nada pretensiosas ou demasiado técnicas. A certo ponto, o escritor explica como um dos seus prazeres na leitura de romances é o de tentar adivinhar aquilo que num texto é imaginário ou vivido. O autor explora de forma muito inteligente conceitos como a autenticidade, os jogos entre o real e o imaginário, a fragmentação e a noção de que os grandes romances têm um “centro”, enfim, chamem-lhe eixo ou núcleo, mais ou menos escondido e cuja busca é, para Pamuk, o essencial do prazer da leitura. “A escrita do romance, para mim, é a arte de falar de coisas importantes como se fossem insignificantes e de coisas insignificantes como se fossem importantes”, escreve o romancista na pág. 120 deste breve ensaio que não se esgota numa única leitura.


O peruano Vargas Llosa publicou entretanto em Espanha um trabalho, La civilización del espectáculo,  (Alfaguara) que certamente não tardará a ser traduzido em Portugal, pois é o seu primeiro livro escrito depois do prémio. A obra é bem mais pessimista do que a de Pamuk, tratando-se de uma reflexão sobre a degradação da cultura e o declínio dos intelectuais e das elites. “Na civilização do espectáculo, o intelectual só interessa se seguir o jogo da moda, tornando-se num bobo” (pág. 46), afirma Vargas Llosa, descrente da qualidade da literatura contemporânea e muito crítico da falta de originalidade e do excesso de niilismo nas artes. “Nos nossos dias, o que se espera dos artistas não é o talento nem a destreza, mas a pose e o escândalo, os seus atrevimentos não são mais do que as máscaras de um novo conformismo” (pág. 49).
O livro explora outros aspectos do quotidiano, da educação à política, a banalização do poder e das ideias, a superficialidade nas próprias relações humanas, o consumismo desenfreado. São amplamente citados e discutidos outros autores que exploraram esta ideia da civilização do espectáculo (a expressão não é de Vargas Llosa) e talvez o autor seja demasiado pessimista na sua visão de que a cultura está a ponto de desaparecer. Estas ideias foram exploradas pelo romancista peruano em crónicas antigas, algumas das quais são incluídas no volume. É inegável que, tal como diz Vargas Llosa, hoje triunfa o frívolo e o entretenimento, ao mesmo tempo que os intelectuais (como os concebemos no passado) se tornam invisíveis na nossa sociedade, desprovidos de qualquer influência. Enfim, este é um livro muito bem escrito e de grande clareza, cuja rápida tradução será bem útil.

 

Publicado também aqui

Desemprego e cultura

João Gomes de Almeida, 28.03.12

Esta medida pode ser polémica. Facilmente caricaturável e para muitos até irrelevante. Para uma certa esquerda, em última instância, pode até tornar-se ofensiva. Na verdade, não afecta a dignidade de ninguém. Pelo contrário, trata-se do Estado assumir o seu papel de chamar mais cidadãos à cultura, da forma que pode numa altura de crise, e minorizando o impacto na carteira dos que mais precisam. Simples e bem pensada. Parabéns.

Da crítica literária.

João Gomes de Almeida, 12.03.12

Não conheço pessoalmente o José Mário Silva e as únicas vezes que falámos por correio electrónico. Talvez por isso, me sinta à vontade para sugerir que visitem o Blogtailors e leiam esta entrevista a um dos maiores críticos literários do país. Gostei em especial desta resposta.

 

Se pudesse fazer uma pergunta ao atual secretário de Estado da Cultura, qual seria?

Quando é que voltas, Francisco?