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Forte Apache

No centenário de Nelson Rodrigues

Pedro Correia, 23.08.12

Ironias do acaso: escassos dias depois da comemoração do centenário do nascimento de Jorge Amado, assinala-se hoje nova efeméride em torno de outra grande figura das letras brasileiras. Nelson Rodrigues, nascido a 23 de Agosto de 1912 no Recife e falecido no Rio de Janeiro 68 anos mais tarde, a 21 de Dezembro de 1980, é um extraordinário prosador do nosso idioma. O seu legado, durante mais de meio século de escrita torrencial, a um ritmo avassalador, não está ainda devidamente catalogado. "É provável que nenhum outro escritor brasileiro tenha produzido tanto", assinala o seu biógrafo e principal antologiador, Ruy Castro, sem esconder o fascínio por este jornalista que foi um polemista impenitente, um dramaturgo inconfundível e um transbordante produtor de pensamentos em fórmulas incisivas que não perdem actualidade.

"O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza", sublinhava este leitor compulsivo de Eça de Queirós. Nelson Rodrigues trouxe à língua portuguesa o fogo da paixão que punha em cada linha da sua lavra. Amava e odiava do mesmo modo desmesurado. Não renegava os adjectivos, antes pelo contrário, mas insuflava-os de um vigor semântico habitualmente reservado aos substantivos. Coerente com esta perspectiva era a sua peculiar visão do jornalismo. Em sentenças como esta: "A crónica policial piorou porque os repórteres de hoje não mentem." Ou esta: "Ai do repórter que for um reles e subserviente reprodutor do facto. A arte jornalística consiste em pentear ou desgrenhar o acontecimento e, de qualquer forma, negar a sua imagem autêntica e alvar." Poucos conheciam tão bem os jornais por dentro como este "génio da rotina", designação atribuída por O Globo, diário em que colaborou nos últimos 18 anos de vida, até ao próprio mês em que morreu.

 

Era assim em tudo. A sua própria biografia o confirma. Uma biografia que se lê como um romance porque a vida verdadeira de Nelson Falcão Rodrigues, nascido sob signo Virgem e adepto fanático do Fluminense, imitou muitas obras de ficção. Leiam O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro: está lá o retrato, vivo e impressivo, de um homem multifacetado, intempestivo, por vezes terno, outras vezes colérico, demasiadas vezes incoerente, eterno romântico, marcado por uma sucessão de dramas familiares e quase sempre tocado pelo génio que lhe incendiava a escrita. Um homem a quem muitos acusavam de "tarado" ou "imoral", que reconhecia ser um "reaccionário" e dizia de si próprio: "Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino."

Foi um cronista excepcional, nado e criado num país que inventou e popularizou a crónica jornalística e a tornou uma insubstituível disciplina da literatura - com pares imensos neste género, como Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade e Millôr Fernandes. Tinha um estilo muito próprio, que forjou uma legião de imitadores, caracterizado pela constante repetição de ideias, metáforas e expressões como "grã-fina com narinas de cadáver", "padre de passeata" ou "tempestades do quinto acto do Rigoletto". E também pelo diálogo sincopado com o leitor, transformado em seu cúmplice involuntário e permanente.

 

Foi igualmente um inultrapassável produtor de frases que nos perduram na memória. Citando ainda Ruy Castro, com toda a justiça: "Ele é talvez o maior frasista da língua portuguesa."

Aqui ficam algumas:

«Deus está nas coincidências.»

«Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor.»

«Todas as vaias são boas, inclusive as más.»

«Todo tímido é candidato a um crime sexual.»

«A cama é um móvel metafísico.»

«Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro.»

«Só o inimigo não trai nunca.»

«Só os imbecis têm medo do ridículo.»

«Na vida, o importante é fracassar.»

«Invejo a burrice, porque é eterna.»

 

Idolatrado pelas gerações mais jovens, enfastiadas com o estilo entorpecente e a prosa insípida dos amanuenses da escrita, Nelson Rodrigues conseguiu ver incorporadas expressões da sua lavra na linguagem comum, tornando-as património universal da língua portuguesa. Expressões como "toda unanimidade é burra", "óbvio ululante" e "um calor de derreter catedrais".

Faleceu num domingo, vítima de uma trombose. Nesse preciso dia, horas depois, ganhou o totobola brasileiro: as suas previsões bateram certo. Se sobrevivesse, seria rico - algo que nunca lhe aconteceu em vida. Até na morte a sua figura ganhou contornos de personagem de ficção. Como as que ele criou para peças tão controversas como O Beijo no Asfalto e Toda Nudez Será Castigada.

A morte, tal como o amor, é tema omnipresente na sua obra. Dizia ele que "a morte natural é própria dos medíocres". E fornecia abundantes exemplos em abono da sua tese: Lincoln, Gandhi, John Fitzgerald Kennedy. "O grande homem sempre morre tragicamente."

Paradoxo suplementar num homem que soube cultivar contradições como ninguém: em dia de centenário, 32 anos após a sua morte, Nelson Rodrigues ainda é a cara do Brasil real. Que melhor homenagem pode haver a um escritor do que esta? 

 

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Os escritores têm quase sempre razão #7

João Gomes de Almeida, 27.02.12

 

DN - Durante o debate que assinalou cem dias de Governo, o primeiro-ministro não o conheceu. Perguntou mesmo se se chamava Jorge. O que acha dessa situação?

 

JLP - É verdade, não me conhece. Mas o primeiro-ministro também disse que penitenciava a cultura. E o facto de o primeiro-ministro não me conhecer é sinal da falta de atenção à cultura. Afinal de contas, ele não tem de me conhecer. Sou apenas um escritor português traduzido em 20 idiomas e com milhares de exemplares vendidos...

 

José Luís Peixoto, em entrevista do Diário de Notícias, depois de José Sócrates ignorar quem ele era.

Os escritores têm quase sempre razão #6

João Gomes de Almeida, 26.02.12



American society [...] not only sanctions gross and unfair relations among men, but it encourages them. Now, can that be denied? No. Rivalry, competition, envy, jealousy, all that is malignant in human character is nourished by the system. Possession, money, property--on such corrupt standards as these do you people measure happiness and success.

 

Philip Roth, Portnoy's Complaint

Os escritores têm quase sempre razão #4

João Gomes de Almeida, 24.02.12



Os Portugueses têm algum medo de ser portugueses. Olhamos em nosso redor, para o nosso país e para os outros e, como aquilo que vemos pode doer, temos medo, ou vergonha, ou «culpa de sermos portugueses». Não queremos ser primos desta pobreza, madrinhas desta miséria, filhos desta fome, amigos desta amargura. Os Portugueses têm o defeito de querer pertencer ao maior e ao melhor país do mundo. Se lhes perguntarmos “Qual é actualmente o melhor e o maior país do mundo?”, não arranjam resposta. Nem dizem que é a União Soviética nem os Estados Unidos nem o Japão nem a França nem o Reino Unido nem a Alemanha. Dizem só, pesarosos como os kilogramas nos tempos em que tinham kapa: «Podia ter sido Portugal...» E isto que vai salvando os Portugueses: têm vergonha, culpa, nojo, medo de serem portugueses mas «também não vão ao ponto de quererem ser outra coisa».

 

Miguel Esteves Cardoso, "Os meus problemas"

Os escritores têm quase sempre razão #2

João Gomes de Almeida, 22.02.12



Público. Você, que é um satírico, tem poemas de uma grande melancolia...

 

FAP. Nestes trinta anos a fazer versos, se me reconheço em algo é na nostalgia. Às vezes digo, para me auto-iludir, que sou um romântico, um ultra-romântico, um sentimental, um rural por oposição ao citadino seco, mas de facto sou um nostágico. Uso pouco a palavra saudade. A saudade é bonita, dá para o Carlos do Carmo e a Amália cantarem. A nostalgia pressupõe amigos que morrem; mulheres amadas que desaparecem; filhas que crescem e já não são como eram em pequeninas; eu que já não tenho a destreza dos vinte anos, já não jogo à bola, já tenho digestões difíceis. A nostalgia não está devidamente contemplada na poesia portuguesa. À força de tentarmos fazê-lo passar por uma categoria filosófica menor chamada saudade, esquecemo-nos de que o tempofoge e ninguém o agarra.

 

Entrevista a Fernando Assis Pacheco realizada por Rogério Rodrigues e Torcato Sepúlveda (Público, 24.02.1991)

Os escritores têm quase sempre razão #1

João Gomes de Almeida, 21.02.12



"Ora deixem-me que lhes diga: um cadáver não nunca tem terá razão, mesmo que a tivesse tido antes. Um estúpido um cobardola é para rir e chorar, porque a estupidez e o medo não têm medida. Um patareco dá-se-lhe um pontapé no cu, um parasita esborracha-se por nojo e a um folião fazemos notar que não lhe achamos graça nenhuma. E fugi dos frustados e falhados que é a malta mais tratante e castradora que existe. Mas um bebé! uma rapariga com um filho ao colo! os bambinos em volta! são os bichos mais exigentes e precisados de tudo. E há que lhes dar tudo. Eis, senhores, porque saúdo a manhã e faço gosto em a ver inda uma vez, eis porque a pardalada me incita. (...) Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis, se as praticardes."

 

Luiz Pacheco, A Comunidade