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Forte Apache

Que se lixe o quê?

Pedro Correia, 02.07.13

 

A expressão "Que se lixe a troika" - multiplicada nos espaços de intervenção pública, a começar nas redes sociais - inaugura, por via indirecta, um debate que vale a pena travar em Portugal. Funciona, desde logo, como um corolário do que poderíamos denominar "doutrina Pedro Nuno Santos", o deputado socialista que abriu caminho ao actual slogan quando proclamou sem rodeios "Estou-me marimbando [isto é, lixando] para os credores."

Confesso que não aprecio particularmente esta contaminação do discurso político pelos plebeísmos de linguagem que nos induzem a estar "lixando" para tudo, dos credores às eleições, passando pela inefável troika. Isto decorre do mesmo caldo de cultura que leva meio mundo a insultar a outra metade nos fóruns da Net e estimula as micromultidões de vaiadores de conselheiros de Estado e outros protagonistas da cena política nacional, com direito a longos directos televisivos e registo antecipado nas reportagens dos telejornais. Daí ao insulto mais desbragado como paupérrimo sucedâneo da argumentação racional vai um curto passo.

Mas desagrada-me ainda mais o alastramento do jargão tecnocrático ao discurso político. Ao menos o calão tem a vantagem de ser claramente perceptível pelo cidadão comum.

 

As palavras nunca são indiferentes ou neutras no debate político. Podemos dizer "Que se lixe o défice" ou "Que se lixe a dívida". Podemos - e devemos - gritar "Que se lixe o desemprego". Mas quando elejemos a expressão "Que se lixe a troika" temos a obrigação de saber onde esta palavra de ordem nos conduziria caso fosse seguida à letra. Rasgar o memorando com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, assumindo o incumprimento, levaria Portugal a ser expulso da zona euro.

E este é, portanto, o debate que vale a pena ser travado: devemos ou não permanecer no euro?

 

É um debate que urge travar, mesmo que algumas forças políticas que mandam "lixar a troika" o evitem. Essa foi uma clarificação que faltou à esquerda na última campanha legislativa grega e que explica porventura o desaire eleitoral do Syriza, contrariando o que diziam as sondagens: há uma contradição insanável entre a proclamada intenção de manter o euro como moeda enquanto se recusa o cumprimento das mais elementares obrigações impostas aos membros deste clube - à cabeça das quais está, naturalmente, o pagamento das dívidas.

Tal como o Luís Menezes Leitão, gostaria de ver esse debate travado em Portugal. Com argumentos sérios, não com slogans. Alguns economistas têm defendido sem rodeios a saída de Portugal do euro: são poucos, como João Ferreira do Amaral e Octávio Teixeira, mas os seus argumentos merecem ser escutados.

E é bom que não haja dúvidas sobre as consequências dessa opção. Mandar fora a troika seria mandar fora o euro mas sem que nos livrássemos da pressão dos credores. Porque, mesmo de regresso ao velho escudo, necessitaríamos de financiamento externo como de pão para a boca. Nenhum dos nossos actuais problemas terminava - e vários outros começariam. Resta saber que slogans iríamos gritar então.

 

Leitura complementar: Louçã antevê sacrifícios como os da II Guerra Mundial

As brechas

José Meireles Graça, 29.04.13

Temos os que defendem o Euro à outrance (recuar nunca, credo!), dos quais há duas variedades: os que temem que isso faça ruir o projecto europeu, com grandes riscos, imaginam, para a paz na Europa, a qual, aliás, para ter peso no Mundo, tem que "falar a uma só voz"; e os que se abstêm de grandes voos de especulação geoestratégica, mas acham que a sobrevivência dentro do Euro implica disciplina das contas públicas, coisa que a Democracia entre nós nunca deu sinais de garantir.

 

Uns e outros estão dispostos a alienar o mais remoto resquício de autonomia financeira, os primeiros porque supõem que no colégio europeu a voz portuguesa teria, logo que a deriva autoritária alemã esteja emendada, mais peso do que isolada no Mundo, e que a solidariedade entre países não é uma fantasia; e os segundos porque não veem a utilidade da independência, se for para nos condenar ao tipo de gestão orçamental e económica que nos pôs de joelhos, e à sociedade atrasada e pobre que, creem, é o corolário lógico de uma moeda fraca, que seria por sua vez o corolário lógico da gestão socialista a que estamos condenados.

 

Há mais factores, claro, desde o pavor do desconhecido (os precedentes que existem - Império Austro Húngaro, Checoslováquia, Argentina, outros ainda, nem são convincentes nem aliciantes) até à imensa burocracia que tem o prestígio e o bem-estar ancorados à "Europa", passando pelos nossos responsáveis que, tendo comprometido o País na aventura, não podem, sem perder a face, dizer hoje o contrário do que sempre disseram.

 

Depois, há os que defendem a saída do Euro. Fora os comunistas, são uma insignificante, ainda que crescente, minoria, tão pequena que é muito mais provável que o Euro se esboroe, ou dele sejamos convidados a sair, ou dele saiam outros e nós por arrasto, do que algum dos partidos que têm estado no Poder desde há mais de três décadas dê o dito há pouco mais de uma por não-dito.

 

Estes últimos, ademais, têm a vida consideravelmente dificultada porque se lhes exige que digam, expliquem, quantifiquem, o que se vai passar, e eles, coitados, não sabem, que Deus lhes perdoe. É como dizia há dias um economista, cujo nome não retive, para Ferreira do Amaral, com o dedo em riste: Mas reconheça que o problema conceptual da saída é muito diferente do da entrada! Ferreira concordou, e eu também concordaria: a entrada foi muito feliz, mas a sociedade engravidou de um problema, e agora resolvê-lo é conceptualmente - de facto - muito diferente. Para quem quiser inteirar-se do que nos espera, um bom começo é este livrinho e este estudo. Nem um nem outro responde à dúvida principal, que é esta: economia de horror durante quanto tempo?

 

Isto julgava eu: Ficar ou sair, eis a questão. E a ela dei há muito a minha resposta, previsivelmente minoritária.

 

Tropeço agora nesta declaração: "Sou partidário de uma saída provisória da união monetária por parte dos países mais débeis", disse Sinn ao jornal Fankfurter Allgemeine Zeitung.

 

Ele já havia um partido a defender a saída da Alemanha. Saídas provisórias, sem mais detalhes, parece-me à primeira vista fazer sentido nenhum.

 

Mas as brechas do edifício alargam-se; e aparecem novas. Talvez venhamos, mais cedo do que julgamos, os que contam com a Alemanha para pôr ordem na casa, e os que não querem ordem a preço e prazo incomportáveis, a ficar sem motivo para desentendimento. 

O abraço improvável

José Meireles Graça, 03.12.12

Agostinho Lopes é um conhecido carroceiro do PCP. Não é grave, a espécie é transversal ao espectro partidário: num partido geralmente cordato como o PSD, repleto de gente circunspecta e engravatada, é possível um Odorico Paraguaçu ter granjeado votos, sucesso e prestígio ao longo de décadas. É certo que o preço fica para os sucessores pagarem, mas no resto do País, governado por gente com muito mais gravitas, a coisa não foi diferente. Porém, não é realmente disso que quero falar - as palavras são como as cerejas.

 

Agostinho, em pleno Congresso, disse o seguinte: "Há duas ilusões a evitar, a que é possível uma política alternativa com a manutenção do euro e mais federalismo como querem o PS e o Bloco de Esquerda e a ideia de que tudo se resolve com uma saída pura e simples do euro, qualquer que seja a forma como se sai e as condições de saída." Para Agostinho Lopes, um governo "patriótico e de esquerda" deve, no entanto, preparar o país para "a reconfiguração da zona euro, nomeadamente a saída da união económica e monetária, por decisão própria ou crise na União Europeia, salvaguardando os interesses de Portugal."

 

Isto é muito embaraçoso: porque, no essencial e com apenas duas correcções, não tenho nenhum problema em subscrever a tirada.

 

A primeira é que com a manutenção do Euro seria possível uma política alternativa, consistindo em privilegiar cortes na despesa e não aumentos de receita. A diferença teria sido um efeito menos depressivo, menos conflitualidade (aproveitando um estado de graça agora finado), e criação de condições para, se e quando o crescimento recomeçasse, o governo do dia, presumivelmente do PS, partisse de uma base muito mais baixa para restaurar o despesismo público - que é na prática o que o PS sabe fazer. Esse corte vai agora acentuar-se, ainda que em parte: quando tudo o mais falha, nomeadamente a cobrança de impostos, o único caminho possível para atingir o fugitivo equilíbrio é cortar na despesa.

 

A segunda é que o patriotismo não é património da Esquerda. No caso do PCP, aliás, os textos sagrados recomendam o internacionalismo proletário: alguém duvida que o PCP seria federalista, se uns Estados Unidos Europeus pudessem ser comunistas? Não é património da Esquerda nem será, a meu ver, a melhor luz à qual devem ser vistas quaisquer mudanças.

 

A luz necessária é a do realismo: o Euro falhou; os mesmos que o engendraram dizem agora que, para o corrigir, são necessárias mais instituições "comunitárias", designem-se ou não por federais; e países diferentes têm interesses diferentes, que podem ser convergentes, embora não sempre. Pode-se acreditar que é possível o governo de uma manta de retalhos feita de povos diferentes, com línguas diferentes, economias diferentes  e diferentes percursos históricos, sem nenhum cimento que não seja uma ideia abstracta de engenharia de pátrias e um interesse comum que todos os dias é desmentido. Mas isso requer um tal esforço de fé que só a mesmerização de toda uma geração e o medo do desconhecido, agora que desfazer a feira parece imensamente mais difícil que a ter levantado - pode explicar.

 

As razões não serão as mesmas, e os objectivos menos ainda, mas, hoje por hoje, um abraço, camarada Agostinho.

Shock and awe

José Meireles Graça, 06.10.12

Já quase toda a gente percebeu que os cortes na despesa pública são necessários, que a orgia da despesa a crédito arruinou famílias, o país e os bancos (estes sem desculpa, nem perdão, nem castigo), que alguma coisa se tem que fazer para que as mulheres tenham filhos, que é preciso produzir mais bens, ou bens mais caros, e vendê-los ao exterior, e que talvez não tenha sido grande ideia importar o peixe, e a carne, e o mais que temos, além do que não temos.

 

A montanha da dívida pública e da privada só é grande porque somos poucos e produzimos pouco. Just imagine: se todos os Europeus resolvessem meter a mão ao bolso para reduzir o nosso endividamento total a zero, nem precisavam de gastar 1000 Euros cada um, num ano - peanuts.

 

Mas também é líquido que ninguém nos vai dar nada, como é certo que até mesmo emprestado é a refilar, caro e com condições de bancário arrogante. E é aqui que bate o ponto: se a importância da dívida se mede em relação ao produto, este podia fazer o favor de parar quieto, para fazermos contas. Mas não: ao cortarmos a despesa o produto encolhe porque o consumo diminui. E assim deveríamos saber quando é que, tendo cortado o suficiente, poderemos recomeçar a crescer.

 

Para já, não estamos a falar de superavits orçamentais. E, sem eles, a dívida pública continuará a crescer, ao menos nominalmente. E como ninguém sabe onde está, se está, o ponto de equilíbrio, a dívida pública também continuará a crescer em percentagem do produto, até onde a vista alcança.

 

Acreditar assim que o que estamos a fazer vai resultar é um artigo de fé. Como é pacífico, desde parte do PS para a direita, que o Estado tem que se reformar, e como não há alternativa credível ao Governo do dia, toleramos a brutalidade do ajustamento em nome da impotência e na esperança de que, qualquer que seja o desenlace, alguma coisa de bom fique.

 

Magro consolo e triste falta de ambição. Porque os comunistas e a esquerda florida têm em parte razão: a troika precisava de um murro na mesa, não em nome da Cuba europeia que desejam, nem da autarcia económica que defendem, nem da manutenção dos níveis de despesa pública, que não são possíveis - isso foi o que nos trouxe onde estamos e de toda a maneira o crédito acabou - mas do crescimento.

 

Fé por fé, a minha está na saída do Euro - empobrecemos todos de uma vez, nos mesmos 30 ou 40%, corte que não terá naturalmente a a mesma importância para todos, porque uns sofrerão o corte na riqueza e no supérfluo e outros no necessário - mas isso já sucede, e sem esperança. Rilhamos cacos, mas recomeçamos a crescer - do fundo. E se o PS for o herdeiro da convulsão, suspender a reforma do Estado e embarcar nas fantasias despesistas que lhe são congénitas, lá estará a moeda vigilante para sinalizar e corrigir, tant bien que mal, via desvalorização, o disparate.

 

Mas há um estranho bloqueio no espaço público português: a Europa não se discute, apenas se discutem os meios delirantes pelos quais uma minoria de cidadãos, que são no conjunto os dos países em crise mais aguda, há-de dizer à maioria quanto têm que pagar, e quando, e como. Isto enquanto toda a independência, toda a autonomia de decisão, já se evaporaram, ao mesmo tempo que todo o aparelho democrático se tornou numa concha vazia, por uns colégios de uns merdas desconhecidos terem na ponta das esferográficas mais poder que os deputados, e o Governo, e o Presidente que nos demos ao trabalho de eleger.

 

Não discutam, não. Talvez seja melhor: no fim, como sempre, o que tem que ser tem muita força. 

Acto de contrição

José Meireles Graça, 18.09.12

Camilo Lourenço encolhe os ombros, suspira, e diz: "Portugal não tem nem políticos nem cidadãos preparados para estar no Euro. É melhor assumir isso e negociar uma saída ordenada."


Bem-vindo, Camilo, a barca anti-Euro tem muitos lugares disponíveis - a quase totalidade dos seus colegas está no paquete pró-Euro.


Mas as suas razões, sabe, não são muito boas. É que, logo a seguir, afirma que "pode ser que, entretanto, tenhamos dado uma vassourada na miserável classe política que levou o país à falência três vezes em 34 anos". Ora, duas das falências foram com moeda própria, e delas se saiu com relativa facilidade. A terceira foi com o Euro e, como se vê, é seguro que dela não vamos sair com facilidade, se é que alguma vez sairemos em nossas vidas.


Sucede que, sendo relativamente fácil mudar de políticos, não se pode mudar de Povo. E ao povo foi prometido por toda a gente, com exclusão dos comunistas, um CDS hesitante e dois ou três colegas seus, que uma moeda de ricos era o caminho mais seguro para ficar ... rico. Agora, parece que era preciso fazer também uma data de outras coisas, de que ninguém se lembrou na altura. No intervalo, os cidadãos endividaram-se entusiasticamente, com a benção do Estado, da Banca, das instituições europeias e da sua classe. Críticas às políticas seguidas houve, mas avulsas - e disso há sempre.


Sem Euro, teríamos falido pela terceira vez à mesma. Mas nem a dívida pública seria tão grande, nem muito menos a privada - os credores teriam aberto os olhos mais cedo.


Os políticos têm grandes culpas, mas boa parte deles é genuinamente europeísta e não se tem culpa por ter opiniões, mesmo que condenadas. E não é razoável querer que os políticos ponham nas prateleiras do supermercado das ideias teses que não vendem. O europeísmo vendia (a "Europa connosco", ou lá o que era) e vendia também porque os economistas, sacerdotes das crenças do nosso tempo, acreditavam no milagre da engenharia da moeda e na "Europa" do leite e do mel.


Ainda acreditam, pela maior parte, com a condição de sermos governados por gente loira - o Povo não presta, não é verdade?


O Senhor perdoa se houver arrependimento, dizem os católicos. Eu, que não sou católico, entendo que, sejam quais forem os motivos, não é preciso fazer mea-culpa, mesmo que ela seja mais do que recomendável.


Bem-vindo, Camilo.

Onde é que eu já ouvi isto?

Sérgio Azevedo, 25.08.12

Hollande, essa grande esperança do socialismo, entende que a Grécia deve "provar a credibilidade" dos seus compromissos internacionais pois, segundo Hollande, "vive-se um momento em que é preciso assumir compromissos" e que a "Europa tem de ter consciência que já tudo foi feito" em prol da Grécia. Nem Sarkozy teria dito melhor...

A Alemanha ainda vai implorar: "Por favor, não saiam do euro!"

Luís Naves, 24.08.12

O Governo faz mal em concessionar a RTP, pois isso equivale a acabar com o serviço público. Como disse? Não venha com essa de que o Tony Carreira não é serviço público!
Aliás, o Governo faz mal em mexer na RTP e na TAP e em todas as empresas estratégicas. E também está errado reduzir o número de fundações, que são todas importantes. O governo não devia privatizar, nem tentar reduzir os organismos de Estado ou fazer a reforma das freguesias, nem sequer tentar reduzir o número de funcionários, muito menos cortar nos subsídios, pois isso é claramente inconstitucional e, como sabe, quase tudo é inconstitucional no nosso País. O governo não devia mexer na educação nem cortar nas despesas de saúde ou mudar a lei das rendas e as regras da segurança social, não devia aumentar o IVA, sobretudo o IVA na restauração, pois o país está cheio de turistas e o imposto reduz os seus almoços e jantares. O governo não devia ter aplicado políticas que fazem cair o consumo, pois travam a compra de automóveis importados. Isso é mau sob qualquer perspectiva.
Não é a única coisa má, aliás. O governo não devia impor portagens nas ex-scuts, nem alterar leis laborais, nem exigir à Madeira que pague as suas dívidas e aperte o cinto. O governo devia fazer como a Madeira: investir em projectos úteis, como marinas e heliportos. Devia ordenar aos bancos que facilitem crédito às pequenas e médias empresas e devia criar novos empregos para os jovens. Hem? Que o Governo não devia, ainda deve? Engraçadinho! E não me venha com essa de que é preciso pagar as políticas de crescimento. Elas pagam-se a si mesmas, gerando ciclos virtuosos, em vez da espiral recessiva a que nos levam estas políticas austeritárias.
É preciso dizer à troika que não pagamos. É preciso mudar. Os ricos que paguem a crise. É preciso acabar com a falácia da austeridade, travar as ditas reformas estruturais, suspender todas estas alterações. O País precisa é de mudança, ou seja, manter o sector público e a despesa pública, manter os serviços públicos, o investimento público e o crescimento público, além do sistema produtivo público. Como já lhe disse, os ricos que paguem.
E o senhor faça o favor de dizer à senhora Merkel (essa loura burra)  que para resolver a crise do euro é preciso introduzir eurobonds que possam ser emitidos em conjunto por Portugal e a Alemanha. Com a garantia dos alemães, teremos financiamento. E não queremos isso da 'regra de ouro', pois obriga a cortar nas despesas do Estado. E não me venha dizer que a Alemanha não aceitará jamais eurobonds com países que não cumprem a 'regra de ouro'. Eles podem ter o livro de cheques na mão, mas não são mais espertos do que nós. A Alemanha ainda vai implorar: "Por favor, não saiam do euro!"

Pistas para reflexão sobre a crise: Conversa com agricultor

Carlos Faria, 31.07.12

A crise por que Portugal atravessa teve causas múltiplas, resultou de um acumular de erros que foram cometidos pela classe política e pelos agentes económicos e financeiros, mas também foi ampliada pelo comportamento de muitos cidadãos do povo.

Um agricultor conhecido meu - que abandonou a atividade há mais de uma década, quando tinha cerca de 50 anos de idade e ao abrigo da política da UE de subsidiar em Portugal a retirada de mão de obra de gente ainda válida na agricultura e nas pescas e cujos resultados igualmente contribuíram para a situação em que nos encontramos - teve nos últimos dias um diálogo do género:

- Não compensa mesmo trabalhar, estive num supermercado e encontrei um saco de 5kg de feijão por 7€.
- E então?...
- Está barato, não vale o trabalho.
- Pois!... e se fosse 1400 escudos?
- Ah, pensando assim já vale alguma coisa, mas eu penso em euros.

 

Dá que pensar este diálogo real...

O mundo segundo Glum

Luís Naves, 18.07.12

Qualquer observação superficial feita de fora conclui com facilidade que os portugueses passam sem transição de estados eufóricos a profundas melancolias. A nossa política sofre do mesmo mal e o sistema mediático amplifica o fenómeno com a tese, porventura falsa, de que uma má notícia vende sempre mais papel.
Isto justifica a circunstância das análises políticas que vejo na TV ou leio na imprensa parecerem crescentemente desfasadas da realidade. O fenómeno é mais visível nas observações sobre Europa, mas começa a sê-lo também na situação nacional. Alguns autores, por exemplo, da blogosfera, deviam meditar sobre o que escreviam há um ano.

 

Num desenho animado dos anos 60, baseado nas Viagens de Gulliver, havia um grupo de liliputianos e, entre estas personagens, surgia um tal Glum, um pessimista crónico que nos momentos de maior perigo dizia invariavelmente "we're doomed" ou "it's hopeless", com uma voz arrastada de quem se sentia mesmo condenado ou de quem afirmava que qualquer esforço era simplesmente inútil.
Os pessimistas crónicos como Glum nunca são lúcidos. As suas previsões falham e os liliputianos salvam-se sempre, mas Glum fica na sua. Quando as outras personagens criam um mecanismo que pode resultar, lá aparece Glum, impávido, a dizer que não vai funcionar, "it'll never work". Glum é de longe a figura mais cómica do desenho animado.