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No princípio era Scolari. Já o seleccionador brasileiro que conduziu Portugal a vice-campeão europeu e ao quarto lugar no Campeonato do Mundo se havia retirado um ano atrás e ainda Rui Santos lhe apontava o dedo acusador em Setembro de 2009. Era a melhor maneira de afastar responsabilidades do seu amigo Carlos Queiroz, que conduzia rapidamente a selecção nacional ao descalabro. Sem vencer um só jogo em casa na atribulada campanha para a qualificação do Mundial de 2010, com opções tácticas que ninguém entendia, sem controlo no balneário, Queiroz andava à deriva. Mas o amigo comentador, sem o beliscar, limitava-se a chutar para trás: «Quando Scolari abandonou Portugal os sintomas de uma certa degradação qualitativa eram evidentes.»
Depois de uma lamentável presença na África do Sul da qual excluiu o sportinguista João Moutinho, com a selecção portuguesa sem marcar em três dos quatros jogos disputados, Queiroz iniciou da pior maneira a campanha para o Euro 2012. Com um empate em casa (4-4) com o modestíssimo Chipre, em Guimarães, a que assistiram só nove mil pessoas. Soaram as campainhas de alarme: após a euforia da era Scolari, os portugueses estavam divorciados da selecção.
E Rui Santos, criticava enfim o seleccionador? Nada disso: «Temos que responsabilizar os jogadores», acusou. E aproveitava até esta derrota para lançar o nome de Queiroz como futuro presidente da Federação Portuguesa de Futebol. Porquê? «Carlos Queiroz pensa o futebol, em termos de organização, como poucos em Portugal.» Nunca o Tempo Extra foi tão extraordinário.
A campanha prosseguiu da pior maneira, com uma derrota na Noruega. Cinco pontos perdidos nos primeiros dois jogos, três anúncios de retirada precoce da selecção: Deco, Paulo Ferreira e Simão Sabrosa haviam anunciado que não voltariam a vestir a camisola das quinas. Eduardo, o guarda-redes titular, parecia uma sombra de si mesmo. Nani fora afectado por uma estranha lesão, nunca bem explicada. E Cristiano Ronaldo, sem esconder a desmotivação, causara alguns desmaios no clube de fãs do seleccionador com uma frase letal: «Perguntem ao Queiroz.» Queria dizer: perguntem-lhe pelas derrotas, claro. Só Rui Santos não perguntou.
Acossado, o seleccionador sacudia a água do capote: «Tendo em conta a estrutura amadora da Federação, as coisas correram muito bem [na África do Sul]», disparou Queiroz. Era a versão que lhe convinha. Mas não pegou.
O desnorte do seleccionador era tanto que chegou a dizer isto: «Portugal não merece ganhar um campeonato do Mundo.» Uma frase impensável na boca de qualquer outro responsável do futebol nacional. Convém ter memória.
Imperou enfim o bom senso: Queiroz foi afastado. E Paulo Bento não tardou a ser escolhido para o seu lugar, conduzindo uma boa campanha para o Euro 2012. Tudo mudou. Logo com vitórias contra a Islândia e a Dinamarca (ambas por 3-1). O novo seleccionador reabilitou Moutinho e Carlos Martins, convocou João Pereira, recuperou Cristiano, Nani e Postiga. Os portugueses aplaudiam.
Voltámos a ter selecção nesse mês de Outubro de 2010. Ronaldo falava por todos os jogadores ao dizer isto: «Tem sido bom trabalhar com Paulo Bento e isso reflecte-se no campo." Percebia-se bem.
Todos com Paulo Bento? Não. Havia quem lamentasse a saída de Queiroz. Quem? O mesmo que tempos antes, quando Portugal sofreu uma humilhante derrota frente ao Brasil, fechava os olhos a todas as evidências continuando a enaltecer o seleccionador amigo. Com frases assim: "Eu não duvido nunca das capacidades de Carlos Queiroz"; "Carlos Queiroz faz muita falta ao futebol português"; "É um treinador necessário a qualquer federação de futebol do mundo." Quase a roçar a idolatria.
Quem então falava deste modo, abdicando do espírito crítico, hoje diz coisas como estas: «Paulo Bento tem um modelo de jogo muito conservador»; «Esta selecção não é a única do futebol português»; «Nós não ganhámos nada. Se o Paulo Bento pensa que o futebol começou com ele, está muito enganado».
Em termos de coerência ficamos definitivamente conversados.
Rui Santos falou sempre em tom muito crítico nas apreciações que foi fazendo à equipa portuguesa ao longo do Euro 2012. Mas abriu uma notória excepção: sobre Nélson Oliveira falou sempre bem. De tal maneira que nunca regateou um elogio ao jovem avançado do Benfica. O entusiasmo era tanto que só ele viu o que mais ninguém conseguiu vislumbrar.
É caso para lhe gabarmos a coerência. Mas nada mais há para gabar. Porque o Nélson Oliveira que deslumbrou Rui Santos não chegou a comparecer nos relvados deste Europeu. Não jogou bem nem mal - foi simplesmente irrelevante. Varela, que esteve menos tempo em campo, teve oportunidade de marcar um golo e falhar outro que tentou marcar. O jovem que tanto elogio mereceu ao quilométrico comentador da SIC Notícias nem andou lá perto. Percebeu-se melhor por que motivo Jorge Jesus nunca o colocou a titular durante o campeonato: pode vir a ser um jogador de grande nível mas por enquanto não passa de uma simpática promessa.
Não é assim, Rui Santos?
Parece que não.
Já a 9 de Junho, nos estúdios de Carnaxide, o seu entusiasmo era incontrolável logo após o jogo contra a Alemanha: «Potencialmente, Nélson Oliveira é já o melhor ponta-de-lança português. Não temos melhor.» O raciocínio é tortuoso e até paradoxal, mas percebe-se a ideia. Faltou apenas sustentá-la em factos.
A 13 de Junho, consumada a vitória contra a Dinamarca, parafraseou-se a si próprio. Nos mesmos termos paradoxais: «Potencialmente, Nélson Oliveira é já neste momento o melhor ponta-de-lança português.» Em perfeito contraste (pasme-se) com os centrocampistas. «Sobretudo ao nível do meio-campo, há muito tempo que não tínhamos tanta falta de bons jogadores», afirmou no mesmo canal televisivo. Lançando um anátema simultâneo sobre Miguel Veloso, Raul Meireles e João Moutinho. Alguma lógica nisto? Absolutamente nenhuma. Mas tanto faz.
Ficaram por aqui os hossanas ao miúdo? Nem pensar. A 17 de Junho, consumada a vitória portuguesa sobre os holandeses, Santos insistia. Proclamando isto: «Eu sou um fã do Nélson Oliveira. Gosto muito do Nélson Oliveira.» E mais isto: «Nélson Oliveira é de facto um jogador que dá uma outra cara ao ataque português. Com ele o nosso ataque transforma-se.»
Cesse tudo o que a musa antiga canta que outro valor mais alto se alevanta. Deixo só uma perguntinha em jeito de remate: lembram-se quantos golos o "melhor ponta-de-lança português" marcou neste Europeu? Isso mesmo: não marcou nenhum.
«Há melhores equipas [do que a portuguesa]. Algumas já ficaram para trás.»
Rui Santos, SIC Notícias, 17 de Junho
Às vezes questiono-me: e se o Rui Santos fosse seleccionador nacional? Certamente a equipa portuguesa não se teria apresentado em campo «com uma boa táctica mas falhando a estratégia», como ele considera que ocorreu no nosso jogo inaugural do Euro 2012, contra a selecção alemã. Faríamos mais e muito melhor do que fizemos nos últimos 12 anos, em que "só" marcámos presença em três meias-finais dos quatro Campeonatos da Europa entretanto realizados - em 2000, com Humberto Coelho ao leme da equipa, em 2004, com Scolari, e agora com Paulo Bento - e chegámos à final "apenas" uma dessas vezes, em 2004.
Dizem que Santos da casa não fazem milagres. Mas com o Rui seria diferente. Em vez de uma selecção onde «não há uma qualidade excepcional» já teríamos ido mais longe. O título europeu seria nosso, talvez até o título mundial. Se os espanhóis alcançaram semelhante proeza porque não nós também?
Paulo Bento devia ter escutado os conselhos dele na SIC Notícias antes daquele jogo contra os alemães, em que os então vice-campeões da Europa nos derrotaram por uma marca impensável: 0-1. O problema foi rapidamente detectado pelo arguto comentador: «Tivemos uma selecção horizontal e o Fábio Coentrão foi o único que teve um futebol vertical.» Simplesmente genial.
No jogo seguinte, a selecção nacional precisaria de «um sistema alternativo» para levar os dinamarqueses de vencida. Nada do 4-3-3 posto em prática pelo «sargentinho» que comanda desde 2010 a equipa nacional.
«Eu apostaria no Miguel Lopes para lateral-direito, encostaria o Miguel Veloso na esquerda e adiantaria o Fábio Coentrão para a frente, o Custódio seria uma boa opção para ser o médio eminentemente defensivo, o Raul Meireles, o Fábio Coentrão e o Nani a jogarem atrás dos pontas-de-lança que deveriam ser o Ricardo Quaresma e o Cristiano Ronaldo.» Tudo diferente do que se passou. Ou quase: pois Santos, condescendente, manteria Rui Patrício na baliza, assim como a dupla de defesas centrais.
E João Moutinho, que se revelou um dos melhores portugueses neste Europeu? «Moutinho desapareceria», alivitrou o sábio comentador, na pele de treinador de bancada, antes do jogo contra a Dinamarca. Sabendo de antemão, conforme confessou, que o «conservador» Paulo Bento não lhe daria ouvidos, optando pelo onze que perdeu com a Alemanha. «Um erro», a seu ver.
Mas a realidade tem o condão de perturbar as teorias, por mais excelentes que pareçam. Afinal o jogo correu bem a Portugal: acabámos por derrotar (3-2) os dinamarqueses, que antes tinham ganho à Holanda.
Ainda hoje me interrogo como conseguimos esta e outras vitórias sem Miguel Lopes a lateral-direito, sem Miguel Veloso a lateral-esquerdo, sem Coentrão adiantado, sem Custódio no lugar de Moutinho e sem Quaresma no lugar de Postiga.
O «sargentinho» tem muita sorte...
Devemos ter visto dois Campeonatos da Europa diferentes, o Rui Santos e eu. Só isto explica a minha perplexidade ao ler o texto que ele publicou na passada sexta-feira no diário Record (sem hiperligação disponível). Um texto que, logo pelo título, deixava adivinhar todo o seu propósito: «... E, então, as charretes?!» Tanto sinal gráfico - reticências, um par de vírgulas, ponto de interrogação seguido de ponto de exclamação - para dizer tão pouco. A intenção do autor, como fica bem claro logo nas primeiras linhas, é desvalorizar o que os jogadores e a equipa técnica da selecção nacional conseguiram no Euro 2012. Esquecendo-se ele da grelha de análise que utilizou para avaliar o desempenho português no Campeonato do Mundo da África do Sul, quando o seleccionador era outro. Mas essa comparação fica para outro texto a publicar aqui no decurso desta semana...
O texto está repleto de falácias, na habitual lógica de "achismo" cultivada pelo autor, que demasiadas vezes considera dispensável alicerçar as suas opiniões em factos. Eu acho que isto, eu acho que aquilo...
Felizmente não falta comentário de qualidade nos órgãos de informação portugueses para o público poder separar o trigo do joio. Reparem no que Rui Santos, de dente afiado e em estilo jocoso, se apressou a escrever logo a 7 de Junho, 48 horas antes da nossa tangencial derrota frente à selecção então vice-campeã da Europa, a Alemanha: «Lá fomos então, com o folclore do costume, rumo ao Euro’2012. Partimos em ambiente de festa e euforia, como se tivéssemos chegado com um troféu na bagagem. O circo montado, com o melhor pano na tenda, e o país pendurado na asa do avião. (...) Não é fácil combinar excursionismo com profissionalismo. Esta direcção da FPF ainda não fez nada que travasse a ideia de que, para os jogadores, a Selecção Nacional não é mais do que o recreio dos clubes. E a culpa não é totalmente deles, que são induzidos a pensar assim.»
Que quereria ele dizer com isto no próprio dia em que Portugal regressava a um dos maiores palcos do futebol mundial? Estaria a confundir esta presença portuguesa na fase final do Europeu com a desastrosa campanha de qualificação conduzida inicialmente por Carlos Queiroz, o técnico que ele mais admira? Só o próprio comentador saberá responder. O facto é que, no rescaldo do desafio da meia-final, após a selecção das quinas ter chegado muito mais longe do que ele imaginara, Rui Santos escreve um dos artigos mais lamentáveis da sua carreira (o tal com as charretes em título).
Escreve o quê?
Isto: «Portugal foi eliminado pelos espanhóis. Sem mácula, em razão da melhor meia hora de tempo extra realizada pelo adversário. Nada de surpreendente, pois.» Quem não tenha visto o jogo é capaz de acreditar. Sem saber que Portugal foi eliminado só nas grandes penalidades após o prolongamento...
E isto: «Ser a quarta melhor equipa da Europa representa 'missão cumprida' e um estímulo para o futuro. Mas nada mais senão isso. Os excessos à chegada foram iguais aos excessos da partida.» Não sei onde foi ele buscar essa despromoção portuguesa ao quarto posto: como não há jogo para atribuição dos lugares 3º e 4º, Portugal ficou ex-aequo em terceiro, juntamente com a Alemanha.
E ainda isto: «Portugal fez um Campeonato da Europa muito positivo, mas longe do brilhantismo que nos querem agora impingir.» Ser a terceira melhor selecção da Europa não basta para este mestre do comentário esférico lhe reconhecer brilhantismo.
Eis o ruissantismo no seu melhor. Ou pior, conforme as opiniões.
A quilómetros de distância do que Santiago Segurola, um dos mais prestigiados jornalistas desportivos espanhóis, escreveu na diário Marca: "Portugal é uma equipa admirável pelo seu rigor táctico, o seu impressionante desempenho atlético e a sua velocidade, representada especialmente por Cristiano Ronaldo e Nani, duas balas em cada extremo do campo."
Ou do que escreveu Bruno Prata, hoje mesmo, no jornal Público: «Depois de ontem se ter visto a demonstração de superioridade da 'Roja' no Estádio Olímpico de Kiev, ficou claro que a verdadeira final foi o Espanha-Portugal, o que é o melhor elogio que se pode fazer à equipa treinada por Paulo Bento. De facto, ninguém como a selecção portuguesa foi capaz de criar tantos problemas à campeoníssima Espanha.»
Sob um título que diz tudo: «A verdadeira final foi com Portugal».
Avisem o Rui Santos, por favor. Tenho a impressão que só ele não percebeu. Talvez por andar demasiado preocupado com as charretes.
Nunca tinha acontecido. Ao revalidar o título de campeã europeia ontem à noite em Kiev, Espanha consegue uma proeza inédita: nenhuma outra selecção recebera até hoje dois troféus consecutivos ao nível da Europa. Com a vantagem acrescida, para os espanhóis, de serem também campeões do mundo: conquistaram o troféu há dois anos, na África do Sul, e são desde já os mais sérios candidatos à dobradinha no próximo Mundial, a disputar no Rio de Janeiro.
Também inédita foi a expressão numérica desta vitória. A selecção comandada por Vicente del Bosque goleou os italianos nesta partida disputada na capital ucraniana: 4-0. Nenhuma outra final de um Europeu tivera até hoje números tão expressivos, o que demonstra bem a superioridade espanhola perante uma equipa italiana irreconhecível. Montolivo, Cassano, Balotelli e tutti quanti nem pareciam os mesmos que três dias antes venceram e convenceram a poderosa selecção alemã, vice-campeã da Europa, com um futebol capaz de conjugar espectáculo com eficácia.
Buffon, Pirlo e De Rossi - que foram campeões do mundo em 2006 - não conseguiram desta vez marcar a diferença. Toda a equipa comandada por Cesare Prandelli parece ter entrado em campo já derrotada pelos espanhóis. Uma atitude totalmente diferente da revelada pela selecção portuguesa no desafio da meia-final. Ao contrário de Portugal, que em grande parte do encontro de 27 de Junho confinou a equipa adversária ao seu reduto, os italianos cederam todo o espaço aos homens de vermelho. Era precisamente o que os espanhóis queriam. Donos do meio-campo, retomaram o carrocel de passes que tanto gostam de cultivar e costuma produzir um efeito hipnotizante nos antagonistas.
Também ao contrário do que sucedeu com os portugueses, os italianos revelaram-se demasiado permeáveis na defesa. Acabando por sofrer golos das mais diversas formas. David Silva, com apenas 1,70m, marcou de cabeça - proeza rara na carreira deste campeão mundial e bicampeão europeu. Jordi Alba - aposta ganha por Del Bosque ao sagrar-se o melhor lateral esquerdo deste campeonato - marcou como quis, após passe magistral de Xavi. Torres saltou do banco para marcar e dar a marcar ao também suplente Juan Mata, que (com perdão do trocadilho fácil) matou o encontro. E nem foi necessário o grande Iniesta mostrar-se ao seu melhor nível para a Espanha se passear no terreno quase como se estivesse sozinha em campo. Nada a ver com o bem disputado jogo inaugural das duas selecções, ainda na fase de grupos, em que o equilibrado confronto terminou num empate.
Para uma equipa atingir a excelência é necessário que o todo ultrapasse a soma das partes. Espanha, uma vez mais, atingiu a excelência. E esta selecção, sendo bem real, já se tornou lenda. No final, as imagens não podiam ser mais contrastantes: espanhóis em explosões de júbilo, italianos em lágrimas. No Euro 2012, só Portugal deu verdadeira luta aos espanhóis. Apenas os penáltis nos impediram de atingir a final, onde esta fatigada Itália não constituiria obstáculo de relevo para Rui Patrício, Pepe, Moutinho, Coentrão e Ronaldo. Mas é inútil entregar-nos a exercícios de especulação. "Na guerra, o essencial não é ganhar batalhas mas a vitória", ensinou Sun Tzu. Este sábio aforismo também se aplica ao futebol.
Final (ontem à noite): Espanha, 4 - Itália, 0
O presidente da FIFA lembrou-se agora de criticar o recurso aos penáltis como forma de decidir qualificações para fases seguintes de torneios ou mesmo a conquista de alguns dos mais prestigiados troféus internacionais no futebol. Salvo melhor opinião, Joseph Blatter escolheu uma péssima ocasião para o efeito. Diz ele que as grandes penalidades são "uma tragédia" e fazem perder "a essência do futebol enquanto jogo colectivo". É inaceitável que fale assim poucos dias após um dos melhores golos do Campeonato da Europa ter sido marcado precisamente de penálti, pelo excelente Andrea Pirlo, campeão do mundo em 2006, actual campeão de Itália pelas Juventus e um dos mais fantásticos jogadores do Euro 2012, que termina hoje, em Kiev, com o jogo Espanha-Itália.
"A arte de jogar com os pés": foi desta forma certeira que El País qualificou o talento de Pirlo, único jogador até agora eleito o melhor em campo em três partidas deste Europeu. As palavras impressas no jornal espanhol, apesar de terem sido escritas antes das declarações de Blatter, parecem ter sido especialmente dirigidas para ele: "Apesar de ser um desporto de equipa (...), o futebol exige um gesto egoísta por excelência, um momento de glória pessoal, uma jogada para a posteridade, a fim de [um jogador] passar à condição de celebridade. Não é nada simples encontrar um momento tão solene e tão íntimo sem atraiçoar a condição de futebolista solidário admirado em todo o mundo."
Pirlo teve o seu momento nesse terceiro penálti contra os ingleses que deu ânimo aos italianos e destroçou psicologicamente a equipa adversária. Segundos antes, a squadra azzurra afundava-se naquele dilacerante embate dos quartos-de-final terminado num empate nulo. Segundos antes, o guarda-redes inglês Joe Hart parecia imbatível. A grande penalidade marcada "à Panenka", que eleva um simples penálti à condição de obra de arte, virou o destino da partida e tornou Pirlo um sério candidato à Bola de Ouro de 2012 (único dos mais cobiçados troféus ainda não conquistado por este ex-campeão europeu pelo Milan que também venceu o Mundial de Clubes em 2007). Tem a certeza de que um penálti é uma tragédia, senhor Blatter?
Mestre da finta em espaço curto, especialista em passes longos que produzem soberbas variações de flanco, dotado de uma excepcional visão de jogo, Pirlo assume-se como comandante natural da selecção italiana - algo que falha noutras equipas. E voltou a ser fundamental na concludente vitória italiana das meias-finais contra a favorita Alemanha, conduzida à vulgaridade pelos seleccionados de Cesare Prandelli. Nesse jogo, disputado dia 28 em Varsóvia, a Itália não se limitou a ganhar: também deslumbrou pelo seu futebol inteligente e requintado. Com dois grandes golos de Balotelli, na sequência de excelentes passes de Cassano e Montolivo. E poderia ter ampliado a vantagem no festival de golos perdidos ocorrido na segunda parte, com Marchioso e Di Natale a falhar de forma tão clamorosa como Cristiano Ronaldo no último minuto da nossa meia-final disputada com os espanhóis.
Os espanhóis - que o presidente da UEFA, Michel Platini, pretendia desde o início ver na final disputada mais logo no estádio olímpico de Kiev - não terão tarefa fácil contra a equipa que mais tem corrido neste Europeu, sob arbitragem de Pedro Proença. Andrea Pirlo sabe, de facto, pensar com os pés. E consegue pôr o resto da equipa a pensar como ele.
Meia-final (jogada quinta-feira): Alemanha, 1 - Itália, 2
Pela quarta vez, Portugal atingiu as meias-finais de um Campeonato da Europeu. E pela terceira vez ficamos pelo caminho. Mas desta vez com uma satisfação suplementar em comparação com o que ocorreu em 1984 e 2000: não fomos derrotados em campo, apenas a lotaria dos penáltis nos impediu de ir à final em Kiev. Só nesse instante a Espanha, após 120 minutos de confronto aberto e tenaz em campo, se revelou superior.
Não saímos, no entanto, sem enviar outra bola ao poste. Aconteceu com Bruno Alves, ao desperdiçar na barra da baliza de Casillas uma grande penalidade. Um momento decisivo, que acabou por ditar a sorte do encontro: os espanhóis estarão presentes, já no domingo, na terceira final consecutiva de uma grande competição futebolística internacional.
Portugal sai de cabeça erguida. Com uma defesa praticamente intransponível e um meio-campo que foi subindo de rendimento de jogo para jogo, culminando no desafio de hoje em Donetsk (Ucrânia), que vulgarizou alguns dos principais talentos da selecção adversária (incluindo Xavi e Silva), impedindo a equipa treinada por Vicente del Bosque de praticar o seu habitual rendilhado em campo.
Durante uma grande parte do encontro a equipa portuguesa revelou-se mais coesa, mais homogénea: há muito que os espanhóis não pareciam tão receosos nem jogavam em terreno tão recuado.
Houve uma quebra de rendimento dos portugueses na meia hora de prolongamento contra a equipa campeã da Europa e do Mundo. Del Bosque antecipou-se ao seleccionador português nas substituições. Isso ajuda a explicar a quebra física da selecção nacional nos últimos 20 minutos de um jogo muito exigente, desde logo no plano táctico.
Ficámos por aqui. Mas o balanço é claramente positivo. Só por ignorância ou má-fé alguém pode afirmar o contrário.
Portugal, 0 - Espanha, 0 (2-4 nos penáltis após prolongamento)
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Os jogadores portugueses, um a um:
Rui Patrício - Esteve a um passo de ter uma noite de glória. Ao defender o penálti de Xabí Alonso, o que nos prometia abrir caminho para a final. Não conseguiu defender mais nenhum. Mas voltou a estar em bom nível, sempre atento entre os postes. Aos 104' deteve o mais perigoso lance de ataque espanhol, que partiu dos pés de Iniesta.
João Pereira - Voluntarioso, muito activo, tinha uma missão particularmente difícil ao enfrentar Iniesta - o melhor dos espanhóis. Mas não se deixou intimidar, integrando-se bem na restante muralha defensiva. Ousou menos raides pelo corredor direito do que nos dois jogos anteriores, o que não surpreende atendendo ao valor da equipa adversária. Cartão amarelo aos 64'.
Bruno Alves - Muito duro a defender, com a solidez a que já nos habituou mas um pouco mais ríspido do que nos restantes jogos do Euro 2012. Recebeu o cartão amarelo, talvez já tardio, aos 85'. Destacado para os penáltis, partiu para a bola sem confiança, como ficou logo bem patente. De tal maneira que, numa primeira tentativa, Nani antecipou-se e decidiu ser ele a marcar.
Pepe - Impediu aos 28' um possível golo de Iniesta. E não falhou quando lhe coube marcar um penálti, no final. Manteve-se praticamente intransponível no comando da linha defensiva portuguesa. Cartão amarelo aos 60'.
Fábio Coentrão - Mais uma excelente exibição. Impediu Pedro de marcar aos 113' numa corrida desenfreada que chegou a bom termo. Venceu vários despiques com Arbeloa no corredor esquerdo português e, como é hábito, foi sempre perigoso a atacar. Cartão amarelo aos 45'.
Miguel Veloso - Muito eficaz em acções de contenção, soube ocupar sempre bem os espaços no terreno confiado à sua guarda. Cartão amarelo aos 90', o que levou Paulo Bento a substituí-lo por Custódio um quarto de hora depois.
Raul Meireles - Cumpriu, uma vez mais, o essencial da sua missão no meio-campo português. Graças a ele, em boa parte, Portugal conseguiu pressionar os espanhóis longe da nossa grande-área. À beira da exaustão, numa partida muito exigente, deu lugar a Varela aos 112'.
João Moutinho - O melhor português em campo, numa exibição de antologia. Foi o mais eficaz recuperador de bolas e voltaram a sair dos pés dele alguns dos passes mais perigosos da nossa selecção. Travou inúmeros lances ofensivos dos espanhóis e ganhou quase todos os duelos individuais, contribuindo em grande parte para o apagamento de Xavi. Terminou esgotado. E só foi pena ter falhado uma grande penalidade ao cair do pano.
Nani - Despede-se do Euro 2012 sem o golo em lance corrido que bem merecia pelo talento revelado. Mas assinou um tento de honra ao marcar o penálti final numa partida em que voltou a mostrar-se em boa forma embora algo perdulário nos últimos metros do terreno.
Cristiano Ronaldo - Esforçou-se muito e também ele acabou esgotado. Este não chegou a ser o jogo da vida dele, mas esteve quase a ser: Ronaldo podia ter marcado no último minuto do jogo quando se isolou à frente de Casillas, seu colega no Real Madrid e provavelmente o melhor guarda-redes do mundo. Este falhanço de algum modo prenunciou o desaire português nas meias-finais. Ronaldo desperdiçou ainda três livres durante o jogo - daqueles que não costuma falhar em Madrid.
Hugo Almeida - Um bom remate de longe, aos 57'. E três outros que também saíram fora. Hugo Almeida, que substituiu Helder Postiga como titular no ataque, esteve mais apagado do que se exigia numa partida em que era fundamental marcar. Mas integrou-se bem nas missões defensivas. Saiu aos 81'.
Nélson Oliveira - Substituiu Hugo Almeida aos 81'. Protagonizou dois ou três lances inócuos e pouco mais se viu.
Custódio - Entrou aos 105' para o lugar de Miguel Veloso. Tacticamente muito disciplinado. Sempre seguro.
Varela - Entrou só aos 112' para o lugar de Meireles. Ficou a sensação de que a equipa das quinas teria ganho se entrasse mais cedo. Teve uma boa arrancada pelo lado direito, quatro minutos depois, deixando nervosa a defesa espanhola.
O jogo de hoje promete entusiasmar os corações de portugueses e espanhóis. O desafio relativo à primeira Meia Final do Euro 2012 é muito mais do que um simples jogo de futebol, dadas as circunstâncias actuais. Para além da vertente desportiva, este Portugal - Espanha tem um lado político interessante de analisar.
Os dois países estão com uma crise financeira grave provocada por anos de governação socialista. Tanto Portugal como Espanha jogam agora no flanco direito depois da lateral esquerda não ter tido sucesso. Com Passos Coelho e Mariano Rajoy a ser protagonistas, não de um confronto individual, mas de uma tarefa hérculea para evitar uma bancarrota. Portugal há muito que pediu ajuda ao FMI e a Espanha fê-lo há pouco tempo. No entanto, também na política, nuestros hermanos são tratados de maneira diferente em relação ao nosso país. Enquanto por cá andamos a fazer sacrificios, os espanhóis não terão medidas de austeridade. Esperemos que o árbitro do jogo de logo à noite, o turco Cakir, não seja como o FMI inclinando o campo para o lado espanhol. As desconfianças da nossa selecção têm razão de ser, tanto no campo da economia como no futebol. No entanto, o esforço dos portugueses, sejam ou não futebolistas, tem de ser superior a qualquer tentativa de favorecer os outros. Há que entrar em campo para ganhar.
Hoje, quem perder no Estádio do Shaktar será o segundo país em entrar em bancarrota. A Grécia, goleada pela Alemanha nos Quartos-de-Final, teve o seu destino traçado perante o olhar de Angela Merkel. E hoje, por quem torce a chanceler alemâ?
editado por Pedro Correia às 15:21
Lembram-se daquele golo de Cristiano Ronaldo no jogo "amigável" contra Espanha, em Novembro de 2010? Portugal ganhou 4-0, mas houve mais um golo, em condições regulares, muito mal anulado pelo árbitro. Cristiano, de um ângulo quase impossível, chuta no flanco esquerdo da grande área, já muito próximo da linha de baliza, picando a bola que sobrevoa a defesa espanhola e entra na baliza. Nani, que estava em posição de fora-de-jogo, ainda toca na bola, mas já dentro da baliza. Golo invalidado, mesmo assim. Cristiano, numa fúria momentânea, arranca a braçadeira de capitão e atira-a ao relvado. "Os meus melhores golos acabam sempre por ser anulados", desabafaria depois.
Este episódio demonstrou, a quem ainda duvidava, que o melhor jogador da Europa - e única estrela com prestígio mundial presente no Euro 2012 - detesta perder. Mesmo a feijões, como era o caso. É deste Cristiano Ronaldo que precisamos, mais logo, para derrotar os espanhóis - agora num jogo a sério. O Cristiano que detesta perder. O Cristiano que tem a certeza antecipada de ser superior a qualquer adversário (sim, isto inclui o Messi). O Cristiano que já provou o que havia a provar dentro das quatro linhas em termos clubísticos ao sagrar-se campeão pelo Manchester United e pelo Real Madrid.
Mas o Real e o United são tão grandes que qualquer dos seus jogadores se arrisca ali a ser campeão. Aos 27 anos, Cristiano Ronaldo já conquistou quase tudo quanto havia para conquistar. Falta-lhe ainda, no entanto, superar com êxito uma prova futebolística. Ao nível da selecção nacional, nunca ganhou nada. E quer ganhar.
Contra os espanhóis, no jogo de logo, tem uma motivação extra. Porque a Espanha do futebol, como sucede em tudo, está dividida: metade idolatra Cristiano, a outra metade detesta-o e grita "Messi" à sua passagem. Cristiano Ronaldo, ao contrário do que acontece com muitos portugueses, encara cada insulto e cada vaia como um incentivo e um teste suplementar à sua comprovada capacidade de transcender todos os obstáculos.
Dizia ontem o seleccionador espanhol, com manifesto exagero, que este será "o jogo da vida" dos seus jogadores. Não é verdade. Iniesta, Piqué, Silva, Casillas, Ramos e Javí são campeões do mundo. E já se sagraram campeões da Europa há quatro anos. Para eles, este será apenas mais um jogo muito importante. O Portugal-Espanha de hoje será, isso sim, o jogo da vida de Cristiano Ronaldo. O jogo do tudo-ou-nada. O jogo do é-agora-ou-nunca. O miúdo que nasceu numa família muito humilde do Funchal, que se fez atleta e homem na academia do Sporting e ganhou projecção mundial em Old Trafford e no Santiago Bernabéu precisa deste Europeu no seu currículo. E fará tudo para conquistá-lo. Os espanhóis, que o conhecem bem, sentem isso. E não escondem o receio.
Força, Cristiano. Tens um país inteiro a puxar por ti. E até aqueles que do lado de cá te invejam, e que não suportam o teu sucesso, anseiam logo à noite por um golo teu. Para poderem gritar a plenos pulmões: "Ganhámos!"
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