Seguro defende eleição de um 'presidente da Europa'
Com o aprofundar da crise do Euro, cresce a pressão para que a solução venha do estado federal que imponha a disciplina dos países do Norte com contas sãs, na versão federalista de Direita, ou o estado federal que apenas eurobondize a dívida, na versão federalista da Esquerda. O simpático e patético Seguro não se limita a querer que os ricos paguem a crise - constata que há "Estados que mandam mais do que outros", pelo que espera confiantemente que, logo que comecem a assumir as dívidas, fiquem mais iguaizinhos - não é mal visto, realmente.
Tudo isto quer dizer que o mesmo fato delirante vestido a corpos diferentes ameaça esgarçar de vez. Alguns dos grandes, enormes estadistas que engendraram esta estranha peça de vestuário one-size-fits-all não ignoravam isto; e o terem levado a iniciativa a bom porto foi uma engenharia de contrabando quase-continental para impôr aos povos europeus a federalização que eles não escolheram, à boleia de uma calculista irreversibilidade.
Temos assim, com crescente nitidez, dois campos, a saber:
I
O dos que acham que big is beautiful - no séc. XXI é preciso falar a uma só voz, para que essa voz seja ouvida pela América, pelos BRICs, pela ONU e tutti quanti; a história da Europa, que é uma de guerras, perseguições e rivalidades, passará doravante a ser, como a dos E.U.A. depois da Guerra Civil, de unidade de propósitos, paz entre os estados federados e representação externa comum; a economia, essa, terá o rigor e a eficiência do Norte, com a alegria, a imaginação e as estâncias de férias do Sul; e o Euro será sólido como uma rocha, tal como o dólar o é, não obstante a falência da Califórnia e a dívida estratosférica. E
II
O dos que entendem que: a competição entre estados, modelos de sociedade, fiscalidades, modos de organizar a representação política e o resto da coisa pública, é a melhor garantia de progresso e da detecção de erros de políticas sociais e outras; está por provar que os grandes países sejam mais eficientes, mais "justos", mais felizes do que os pequenos; as superpotências falam a uma só voz, mas a defesa dos seus interesses implica que periodicamente alguns dos seus cidadãos regressem a casa em sacos de plástico preto; as guerras do passado foram por conquista de terra, domínio, esbulho, religião e ideologia. A história não acabou e elas não se tornaram impossíveis, mas não se vêem no horizonte guerras intestinas na Europa - vêem-se porém no resto do Mundo; os pequenos estados gerem as suas dependências - se diluídos em grandes não gerem coisa alguma; a riqueza não funciona pelo princípio dos vasos comunicantes - há estados e regiões pobres e estados e regiões ricas dentro das federações e dos países unificados. E, finalmente, que há, nos estados europeus antigos, culturas, tradições, línguas e sentimentos de pertença - as instâncias centrais europeias, como quaisquer outras burocracias, tendem fatalmente a tentar anular tudo isso, a benefício da unicidade e da camada de apparatchicks de Bruxelas e dos seus delegados nos 26 Terreiros do Paço.
Depois, o nacionalismo, que foi, e ainda é (lembremo-nos dos Curdos e dos Bascos), o fundamento ou o adjuvante de muitas guerras; e que funcionou como cimento e legitimação de regimes detestáveis (lembremo-nos do Salazarismo) - não está em odor de santidade. E é também objecto de desvalorização por correntes de pensamento internacionalistas e fantasiosas: diz-se ser uma construção do romantismo, confundindo-se o ideal de fazer coincidir geograficamente as Nações com os Estados (que é uma ideia do séc. XIX) com o sentimento de pertença, que é a base do nacionalismo e uma pulsão antiga e natural. Este sentimento faz com que, ainda que tenhamos, e temos, muitas, boas, antigas e modernas, razões para detestar o nosso País, não deixemos de ser estrangeiros...no estrangeiro.
Em resumo: O Euro foi um erro caro - e a maior parte do preço estará ainda em revertê-lo. As élites querem corrigir o erro com outro maior, ignorando tradições, nacionalidades, idiossincrasias, fugindo para a frente para fazer um Mundo Novo.
Já vimos disto com outras vestes. É como diz uma amiga minha: as reformas são para políticos aborrecidos. As grandes engenharias de pátrias e revoluções, digo eu, são para políticos visionários - daqueles que engendram grandes desastres.