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Forte Apache

O Esplendoroso Declínio (1)

Luís Naves, 31.07.13

Série de textos sobre a decadência da Europa, que também publico aqui.

 

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Um historiador do futuro talvez considere que 1989 foi o ano em que a civilização europeia se tornou verdadeiramente global, mas para os europeus que viveram a transição, o colapso dos regimes comunistas é geralmente interpretado como o culminar da reunificação do continente.
Esse ponto de vista é estreito e pode tornar-se rapidamente anacrónico. A nova ordem que se desenha é acima de tudo financeira e planetária. Ela inclui democracias, oligarquias e ditaduras. Ela caracteriza-se por uma vasta e crescente circulação de produtos e capitais, mas também pela globalização dos media.


 

Casa dividida

Luís Naves, 15.07.13

Após uma crise financeira profunda, no início dos anos 90, o Japão viveu mais de uma década de impotência política e estagnação económica. A Europa parece estar a cair numa armadilha semelhante. Os indícios da fadiga europeia estão por todo o lado: o Estado social resiste a mudanças, a população envelhece e o continente continua a perder importância, no meio de uma crise cujas soluções parecem ser incompatíveis com a vontade da população. É neste contexto que se acentuam os problemas individuais dos diferentes países.

 

A Alemanha tem eleições dentro de dois meses e as sondagens indicam tendência para uma grande coligação liderada pela actual chanceler. A economia está equilibrada e é competitiva, mas Berlim hesita sobre a melhor forma de liderar a Europa. O eleitorado é muito hostil à ideia de abrir os cordões à bolsa para resolver os problemas dos outros parceiros.

Em França, fracassou a estratégia do presidente Hollande de sair da crise através de uma política orçamental expansionista acompanhada de aumento de impostos. O défice ficará muito acima dos prometidos 3% (mais de 4% do PIB). O crescimento de 0,8% que os socialistas prometiam em 2013 será efectivamente negativo, da ordem de 0,3%. Perante isto, Hollande recusa a redução do generoso Estado social francês e já prometeu aumentar de novo impostos em 2014, tendo o país perdido o seu rating privilegiado.


 

Também aqui

Santos da casa...

Luís Naves, 19.06.13

O Governo francês reagiu com indignação a um comentário do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que acusou de “reaccionária” a posição francesa sobre a excepção cultural, no âmbito das negociações de liberalização comercial entre europeus e americanos.
Compreendo que não gostar de Durão Barroso seja um útil passatempo nacional (Santos da casa...) mas muitas das críticas apressadas revelam desconhecimento sobre os mecanismos da Europa.

Os termos usados pelo Presidente da Comissão são inteiramente justos e a França teve uma posição intransigente, contrariando os seus parceiros. Paris optou por uma linha proteccionista e reaccionária, que poderá comprometer o acordo comercial. Este tinha vantagens imediatas, pois permitia relançar a economia numa altura de dificuldades. Os franceses ficaram isolados e exerceram o direito de veto, para irritação dos outros governos.


O mais certo é que as negociações já estejam comprometidas, pois do mandato dos negociadores ficou excluído o sector audiovisual e os americanos dificilmente aceitarão esse resultado. Na melhor das hipóteses, por causa do cinema francês, que ninguém na Europa vê, os europeus terão de fazer cedências em outras áreas.
O Presidente da Comissão limitou-se a repetir em voz alta a frustração de vários Estados membros. Achar que se tratou de um delírio ou que os franceses vão conseguir a cabeça de Barroso ilude a questão essencial: alguns países, com a Alemanha na vanguarda, estão a perder a paciência com as contradições e a lentidão reformista de François Hollande.

O mal (1) Um convidado no Estoril

Luís Naves, 01.05.13

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Este post de Shyznogud, em Jugular, mostra como é fácil criar uma forte indignação, mesmo dispondo de escassa informação sobre o tema. A autora faz um esforço e cita três fontes que a orientam, mas infelizmente a pesada sentença não permite recurso, nomeadamente em alguns dos comentários.

Do post podemos tirar várias conclusões: o convite ao primeiro-ministro húngaro para falar nas conferências do Estoril é “uma vergonha”, portanto não vale a pena sequer ouvir a versão do próprio. Embora lidere um partido conservador, Orbán é comparado à Aurora Dourada  grega (a comparação é absurda, mas que importa?); no post admite-se até a expulsão da Hungria da UE, algo que não seria possível sem um lento processo que exigiria decisões complicadíssimas e pelo menos ouvir os próprios húngaros (o Parlamento Europeu não tem esses poderes, de facto nem sequer tem poderes para suspender direitos de voto).

 

As lendas húngaras deram origem a um género de personagem sinistra onde se concentra o mal puro. Na ópera de Bela Bartok ‘O Castelo do Barba Azul’, um conde tenebroso mata as suas mulheres, a quem avisa para que não espreitem pela sétima porta. Nenhuma resiste à curiosidade, que é fatal, mas julgo que neste caso temos de tentar ignorar os preconceitos e as proibições. Talvez atrás da sétima porta esteja apenas um mito.

 

 

 

O mal (2) As três tiranias

Luís Naves, 01.05.13

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A questão política parece bastante clara. O Fidesz, o partido no poder, tem maioria de dois terços que lhe permitiu escrever uma nova constituição, redigir leis cuja alteração exigirá maioria qualificada e ainda fazer emendas constitucionais para ultrapassar obstáculos colocados pelo Tribunal Constitucional. A maioria de dois terços resultou de um voto de protesto, em 2010, após oito anos de governos socialistas ruinosos. Essa votação foi democrática e livre, faltando um ano para as próximas legislativas, ou seja, a campanha está próxima e o Governo tem inegável legitimidade. Se não existe tentativa de interferir na política interna húngara, então o caso parece ser um conflito sobre a futura evolução da Europa e o poder dos pequenos, mas sobretudo sobre as “excentricidades” da identidade nacional e a respectiva impossibilidade.

 

 

 

O mal (3) A sétima porta

Luís Naves, 01.05.13

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Nas notícias que tentam demonizar Viktor Orban, a confusão entre extrema-direita e direita é um clássico. Muitas reportagens são feitas de forma preguiçosa. Imagine-se um repórter húngaro que viesse a Portugal e só entrevistasse pessoas ligadas ao Bloco de Esquerda e ao PCP, sindicalistas da CGTP e sociólogos de Coimbra. O que tenho lido sobre a Hungria é deste género.

 

 

 

O mal (4) Aproveitamento político

Luís Naves, 01.05.13

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Ao não compreender que Orban é de facto um dos primeiros-ministros mais fortes da Europa, o post de Shyznogud confunde a árvore com a floresta. Estamos sempre a ouvir que não há políticos à altura dos acontecimentos, mas quando surge um bom político, ele é autoritário e se falar no Estoril isso é uma vergonha.

 

Em Budapeste, a narrativa de spin é a seguinte: minámos o império austríaco, derrubámos o soviético e agora chegam estes comissários de Bruxelas e os seus aliados do FMI que nos dizem o que fazer. Mas quem manda na nossa democracia é o parlamento.

Conversa de surdos. O eurocepticismo versus a dificuldade em entender a diferença entre autoridade e autoritarismo.

Um pequeno país num contexto difícil considera que, para evitar a sua submissão, deve agir exibindo em todos os momentos firmeza e independência. E acaba a ser criticado por pessoas que estão sempre a reclamar contra a perda de soberania que resulta de posições subordinadas no seu país.

 

 

 

O mal (5) Memória de 56

Luís Naves, 01.05.13

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Enfim, como explicar os ataques políticos no Parlamento Europeu e as críticas da comissão (que não retira o procedimento por défice excessivo e ameaça cortes nos fundos)? Budapeste insiste na ideia de que pisou muitos calos na alta finança e agora paga por isso. É quase credível. Entretanto, vai fazendo o seu caminho a ideia de que os pequenos países europeus têm de se portar bem. E esta opinião, que cresce, já faz pensar de outra maneira.

 

Um dos problemas fundamentais do futuro da Europa será a tensão crescente entre pequenos e grandes, os primeiros a terem de cumprir escrupulosamente regras que os segundos não precisam de cumprir com o mesmo rigor. Este duplo critério não passa de ilusão destinada ao fracasso. A União Europeia só sobreviverá se respeitar as nações com identidade forte.

 

 

 

O dia em que a União Europeia morreu

Fernando Moreira de Sá, 17.03.13

 

Quando li a notícia não acreditei. Por breves instantes pensei que era uma brincadeira do dia 1 de abril:

 

"Resgate no Chipre, aprovado no Eurogrupo, apresenta uma medida inédita, um imposto extraordinário sobre depósitos bancários. Para as contas de valor inferior a 100 mil euros, serão retirados 6,7%; para valor superior a 100 mil euros, serão retirados 9,9%; nas contas das empresas, 12,5%".

 

Estamos perante um crime, como ontem lembrava, num programa de televisão, um comentador. Sim, um verdadeiro crime punido pela lei criminal de qualquer país civilizado. Um crime de roubo. Agravado, digo eu, pela forma como foi decidido. Além de um crime de roubo, estamos perante algo ainda mais grave, o fim da confiança dos europeus no seu sistema bancário. Quando qualquer um de nós vai a um banco e nele deposita o seu dinheiro, as suas poupanças, não o faz apenas por desejar uma determinada remuneração dos seus depósitos. Nos tempos que correm, o nosso dinheiro vai para o banco por uma questão de confiança e segurança - o receio é tal que já nem se discute muito a remuneração dos mesmos.

 

Obviamente, alguns vão lembrar que o a banca cipriota se tinha tornado numa espécie de "lavandaria". É verdade. Contudo, curiosamente, esta medida não visa atacar esse outro crime, o da lavagem de dinheiro. Não. Uma vez mais, a UE aplica a velha máxima de ser forte com os fracos e fraca com os fortes. É que esta medida não ataca as contas "russas" ou de outras paragens do género. Ataca, sobretudo, a população cipriota e as suas empresas. Pagando o justo pelo pecador. Tornando esta medida do Eurogrupo, para além de um crime, uma vergonha.

 

O que está a acontecer no Chipre é um desastre. O sinal que o Eurogrupo acabou de nos dar (a todos, sem excepção) é de uma clareza assustadora: os nossos depósitos bancários não estão a salvo de nada nem de ninguém. Mais, qualquer pessoa, minimamente consciente, percebe que não pode confiar nos bancos europeus, que o sistema bancário europeu está morto. E com ele, a União Europeia.

 

Hoje foi no Chipre. Amanhã pode ser em Espanha ou em Portugal ou noutro qualquer país europeu, basta ver a forma como a crise se está a alastrar pelo continente. Não vale a pena acreditar nas palavras de Olli Renh, já todos percebemos que estamos entregues à bicharada... E já agora, reparem na medida tomada pelo governo inglês: salvaguardou os seus.

 

A Europa está perigosa. Por muito menos, no passado, entrou em guerra. Em suma, estamos tramados...

 

 

Actualização: Por mão amiga, chegou ao meu mail ESTA notícia, uma declaração, a 1 de março do ministro das finanças do Chipre. Assustador... Por isso, se o V. Gaspar declarar que tal medida será impossível de ser tomada em Portugal, vou imediatamente ao banco...

A democracia regressou à Itália

Carlos Faria, 26.02.13

Alguns gostam de interrupções da democracia para pôr os países em ordem e depois retomá-la já de casa arrumada à sua maneira, nem que para isso tenham de manter  a fachada de democracia e impôr Primeiros-ministros não eleitos que sejam da sua confiança estratégica. Fantoches manobrados de políticas impostas.

Por vezes esses mesmos amantes da democracia condicionada têm a sorte de um Estado eleger democraticamente um Primeiro-ministro da sua confiança  e então corre-se o risco de até esse Governo pensar que tem legitimidade para governar apenas pela cartilha desses amantes de  democracia com interruptores, que ora ligam, ora desligam.

Em democracia pode-se governar com medidas impopulares bem fundamentadas e com uma equipa técnica e moralmente credível, pois estas por vezes são até necessárias, mas não se pode governar sempre contra o povo apenas em benefício de uma credibilidade externa. Tanto num caso, como no outro, a curto ou médio-prazo a democracia tende a rejeitar aqueles amados só pelos que não os elegeram e, por norma, com grande ruído apostam no oposto da via que se seguia. O Cinco estrelas na Itália de hoje e o Syriza na Grécia de ontem são exemplos disto e deixam esta Europa atordoada, só espero que esta perceba antes que seja demasiado tarde.

A democracia regressou à Itália e como em democracia a política é o espelho do povo, os italianos votaram romaticamente no caos, contra uns sisudos e rijamente arrumados que lhe interromperam a democracia, só espero que estes sejam capazes de se adaptar à realidade e diversidade da Europa e permitam soluções equilibradas para todos, para bem de toda uma União Europeia e de todo o Velho Continente.