Sem medo de sindicatos. Assim é que é.
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Deixo claro que não me agrada o governo iniciar um programa de rescisões amigáveis na função pública, mais ou menos forçadas de cima contra quem depende do seu emprego e independentemente da qualificação dos envolvidos.
Mas também sei que quem utiliza o argumento de o Governo atacar os que têm salário mais baixo, seriam os primeiros a falar caso fossem os mais qualificados os visados. Num caso o discurso mais populista, no outro dir-se-ia que era gente imprescindível à qualidade do serviços e uma forma de apontar a emigração à geração que Portugal investiu na formação.
Sou funcionário público há mais de duas décadas, lembro-me que no início da carreira o número de técnicos superiores era pequeno perante uma maioria de administrativos. Estes davam entradas dos documentos, registavam, levavam às chefias para despacho, redistribuiam pelos técnicos para apreciação, recolhiam os pareceres emitidos, datilografavam, traziam o material à correção, redatilografavam o corrigido, levavam-no aos chefes que esquematizavam ofícios que eles datilografavam, levavam a rever, redatilografavam se necessário, davam saída, colocavam a resposta no envelope, os selos, punham o produto na pasta para o correio, organizavam o arquivo e ainda verificavam o fecho de portas e janelas, a limpeza, o material de apoio das instalações e estavam disponíveis sempre que solicitados.
Com o tempo vieram os computadores, os sindicatos impunham sempre mais limitações às tarefas que cada um deveria fazer e muitas das suas funções foram sendo: ora substituídas pelos técnicos superiores nos meios informáticos, ora executadas por estes quando ouviam que não era função administrativa tal trabalho, exceções também havia. Os administrativos em muitos Serviços ficaram nos quadros limitados às tarefas de entrada, de saída e a organizar os escasso papel no arquivo, pois a maioria tende para o digital.
A culpa não foi só deles, o mundo mudou e disto são vítimas, mas contaram com o conselho de intransigentes na conquista dos direitos e foram-se tornando mais prescindíveis. Apesar do referido, estou seguro que um dia se o Governo começar a procurar rescisões noutras carreiras também encontrará argumentos… apenas ficou aqui uma reflexão de que as boas intenções também têm os seus reversos.
Existe uma direita, por vezes acompanhada de certa esquerda envergonhada, que gosta de encher a boca com os funcionários públicos e apelidá-los a todos de “meliantes”. Um discurso gasto e repetitivo que esconde uma outra realidade.
Nunca fui funcionário público, como nunca fui funcionário por conta de outrem. Já perdi a conta aos anos que levo a trabalhar e sempre lidei com uns e outros. No funcionalismo público encontrei dos melhores e no sector privado idem. Não sei se foi por acaso ou mera sorte mas nunca notei que no sector público existissem mais incompetentes que no privado. Da minha experiência direi que é “ela por ela”, ou seja, o número de incompetentes com que me cruzei no público, uma minoria, é idêntica à mesma minoria que encontrei no privado.
Nos últimos anos, por força da minha profissão, tenho lidado com diferentes sectores do serviço público. Não preciso de fazer um grande esforço de memória para afirmar que em mais de 70% dos casos encontrei funcionários públicos competentes e dedicados. A exemplo do que vi e vejo no sector privado. Bons profissionais e maus profissionais encontro em todo lado. Por isso mesmo, esta conversa negativa recorrente contra o funcionalismo público já cheira mal.
Quem ouve certas almas fica com a ideia que a culpa do estado a que chegou o país é dos funcionários públicos. Ninguém se lembra ou faz um ligeiro esforço de memória para recordar (ou não interessa) que boa parte dos cargos de chefia no Estado, aqueles cargos que realmente decidem em matérias fundamentais para o presente e futuro do país, foram escolhidos e nomeados pelos diferentes actores políticos. Seja na Administração local, seja na administração regional ou central. É na Estradas de Portugal, nas principais empresas de transporte público, nas diferentes Comissões de Coordenação Regional, nas Direcções Regionais disto e daquilo. Tudo nomeações políticas. Desses, ninguém fala nem da responsabilidade dos mesmos em matérias de gestão irresponsável. Um verdadeiro manto de silêncio.
Os funcionários públicos, nos últimos anos, sofreram cortes atrás de cortes nos seus vencimentos, nas suas regalias e nem por isso os serviços pararam. Nem a qualidade piorou. Por isso mesmo, estes constantes ataques são uma estupidez. O país precisa, igualmente, dos seus funcionários públicos nesta missão de recuperar Portugal. Estes constantes ataques de certa classe política só servem para desmotivar e, pior, criar um clima de revolta desnecessário e contraproducente. Não perceber isto é trágico. Continuar a bater na mesma tecla é coisa de meninos, de garotada. Não é assim que se faz a mudança. Todos somos poucos para mudar o rumo do país.
Tenho em casa uma funcionária pública. Raro é o dia que não trabalhe mais de 12 horas. Raro é o fim-de-semana que não trabalhe. Sem qualquer ganho financeiro suplementar. Conheço, nos vários locais por onde passei e ainda passo, centenas e centenas de exemplos idênticos. Quando ouvem estes dislates ficam sem palavras. Sobretudo, por saberem que é essa gente que, quando no poder, costuma premiar os incompetentes e ignorar os competentes...