Falar em televisão é difícil, sobretudo quando estão muitos convidados e sabemos à partida que devemos dizer em trinta segundos algo de significativo. Assim, tenho desculpa para o desastre de ontem, na participação num programa sobre literatura.
Quis dizer que os livros maus também são necessários. Trata-se de um tema pouco discutido em tertúlias, encontros de escritores, festivais de literatura ou programas de cultura. A tendência é para se desvalorizar o mau e endeusar o bom, embora só o tempo distinga uma coisa da outra.
A literatura tem uma ecologia semelhante à da floresta. Para as árvores atingirem dimensão e porte, é preciso que haja muitas espécies de plantas mais pequenas, muitos arbustos e fetos e musgos e bactérias. As árvores antigas e que se destacam das restantes têm de crescer em busca do sol e, quanto maior for a cobertura vegetal, mais intensa será essa busca, o que privilegia a sua altura e opulência. Uma literatura só com génios não seria saudável porque era pobre, com árvores que não precisavam de crescer muito para terem todo o sol só para elas. Cada uma julgando-se enorme e brilhante, apesar de provincianamente pequena.
Isto levou-me a dizer que é preciso compreender os livros maus, porque são necessários para a exuberância da vida e aprendemos muito com eles. O tempo é cruel e quase todos os autores escrevem para o esquecimento, sem nunca saírem da sombra. Mas sem o que vive na sombra não existe a extraordinária fuga para o sol, essa superação que faz algo enorme daquilo que nasceu pequeno. Foi isto que tentei dizer, sem conseguir.