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Forte Apache

O fim da humanidade

Dita Dura, 02.11.12

Tranquem as crianças, escondam as mulheres e os metais preciosos, porque o Dita Dura é católico. Sim, não tenho problemas em afirmá-lo publicamente e resolvi agora falar dos problemas e desafios da Igreja do século XXI. Não é um tema monótono porque diz respeito a todos e, acima de tudo, não devemos ter vergonha de falar naquilo em que acreditamos. Porque se é preciso ter Fé para crer que Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo, o que dizer da tese científica que afirma que, do nada e por razão nenhuma, existiu uma explosão que fez tudo? 

 

A Igreja é uma das instituições mais antigas do mundo contemporâneo, mas está a fechar-se cada vez mais, a tornar-se um clube exclusivo para meia dúzia de iluminados, uma sociedade recreativa que se afasta progressivamente do resto do mundo. Em vez dos padres serem eremitas no meio do deserto das cidades, é preciso urgentemente que se envolvam, que sejam verdadeiros missionários em cada paróquia, que se interessem e actuem sobre os verdadeiros problemas das comunidades e das pessoas.

 

Num mundo cada vez mais relativista e superficial, a Igreja tem a mensagem para combater o egoísmo predominante. Mas tem de primeiro chegar junto das pessoas. E depois precisa de ser eficaz. Não pode continuar a deixar que lhe seja imputada uma imagem retrógrada e conservadora, para depois cair ela própria na retórica auto-comiserada da perseguição, que apenas leva a mais isolamento. É preciso arriscar, ser atrevida, errar se for preciso. Para sair deste autismo canceroso. E colocar um travão nas tentativas ridículas de popularizar sem direcção, que apenas tendem a criar cisões e provocar a fuga para cismas protestantes com menos senso teológico mas mais efectividade. A cerimónia é o ponto central da fé católica, mas não pode ser o seu princípio e o seu fim; tem de ser complementar a um conjunto de actividades junto de toda a comunidade. E para isso é também preciso acabar com a pretensão exclusiva de “estar junto dos que mais precisam”. É necessário deixar de fazer só caridade e começar a encontrar verdadeiras amizades, colocar o paternalismo de lado e reiniciar uma relação com a sociedade que seja genuinamente fraterna.

 

Neste momento, o padre paroquiano é um trabalhador como qualquer outro: entra ao serviço a certas horas, faz a sua cerimónia, tem as actividades que se arrastam até ao picar do ponto e depois vai o mais depressa possível para casa. Se era isto que a Igreja queria evitar ao impedir que os padres se casassem, talvez seja a altura para rever esse pressuposto. Mas há uma alternativa: a ambição de voltar a querer mudar o mundo com uma mensagem para todos, com o mesmo comprometimento, atitude, força e coragem de um jovem carpinteiro e os seus doze amigos, há dois mil anos atrás.

 

O enclausuramento da Igreja tem tido efeitos cada vez mais devastadores. Em primeiro lugar, transforma as paróquias em verdadeiros mosteiros de recolhimento. Depois, está a criar-se uma hierarquia parecida com os quartéis, com demasiada política e jogos de cintura, distanciando-se cada vez mais dos objectivos a que se propôs inicialmente. Por último, resultado do afastamento progressivo das necessidades e anseios das pessoas reais, a Igreja está a deixar que a legislação secular e a prática corrente se afastem dos princípios básicos do cristianismo, como a defesa da vida humana. A sociedade ainda não percebeu que quanto mais se afastar destes princípios, mais perto caminhará para o seu fim, ou o início de uma nova humanidade robótica, assente no culto do materialismo, da beleza ariana e da destruição dos mais fracos. E estamos todos sentados a deixar que isso aconteça. 

O poder da Igreja

Luís Naves, 17.07.12

Não sendo religioso, evito abordar questões de religião neste blogue, até para não ofender leitores católicos. Em matérias de fé ou doutrina, não vale a pena estar a argumentar. Mas escrevo este post por ter visto ontem, com espanto meu, as declarações do bispo Torgal Ferreira na TVI24. Foi o mais selvagem ataque político ao governo feito por um membro da hierarquia católica, pelo menos que eu tenha testemunhado. Se este fosse um governo de esquerda, a indignação pelos blogues republicanos e laicos seria ensurdecedora (e acrescento, inteiramente justa). Para quem não viu, fica um pequeno resumo: sem ter referido um único facto, falando sempre no horror dos miseráveis, o bispo associou este Governo ao mal, tratando os seus membros por “esses tipos” e dizendo com todas as letras que são “corruptos” e defendem “interesses de grupo”, até mafiosos. Em comparação, o anterior governo era de “anjinhos”. Ao longo da entrevista, o bispo sublinhou várias vezes que não estava a fazer política. Hoje, já ouvi na rádio um responsável da conferência episcopal afirmar que as frases do bispo Torgal Ferreira eram “opiniões pessoais”.

 

A intensidade da indignação dá que pensar, para mais quando está a ser elaborado um orçamento de Estado. A Igreja Católica é altamente hierarquizada e disciplinada: não há franco-atiradores. Aquilo que o bispo disse vincula a instituição, que aliás lava as suas mãos de forma bastante hipócrita. É também claro que Torgal Ferreira jamais faria aquelas afirmações se o governo fosse de esquerda. Elas dariam origem a uma reacção indignada da opinião pública, que não tolera estas interferências. Neste caso, há a garantia de que a esquerda encolhe os ombros. Isto só atinge os eleitores católicos do PSD e do CDS, que são numerosos.


 

 

Demagogias

Luís Naves, 08.06.12

Não concordo com as palavras do bispo das forças Armadas, Januário Torgal. Não me revejo nas posições recentes da hierarquia católica em relação a esta crise. Como de costume, a Igreja escolhe as posições mais conservadoras. Nada de novo.

No entanto, não posso deixar de criticar o post abaixo e a notícia do CM sobre a pensão do bispo. Se a recebe é por ter direito a ela. É tantas vezes o salário mínimo? Quero lá saber!

As críticas têm de ser políticas, não podem ser pessoais.

O bispo Januário Torgal tem todo o direito à sua indignação, embora eu discorde do que diz. Lamento que não apresente soluções para os problemas e que se limite a fazer um apelo à insurreição.

O que critico nas suas declarações é o facto de não entender a origem dos problemas. Portugal está sob resgate internacional, portanto perdeu o seu livre arbítrio. Depende do exterior e de decisões que lhe escapam, pelo que as políticas aplicadas são inevitáveis, com pequenas nuances na dose. E, no entanto, para este sacerdote, os cidadãos deviam seguir uma espécie de caminho grego, transformando o purgatório num inferno.

Não gosto dos privilégios da Igreja Católica nem das opções da sua hierarquia, mas também não me revejo em respostas demagógicas a críticas legítimas. A opinião do bispo merece todo o nosso respeito.

O pecado do despedimento

José Meireles Graça, 29.05.12

De um padre espera-se que diga as coisas que os padres dizem: não vem no geral mal ao mundo, e de patrões católicos e não católicos espera-se que não ajam sem incorporar no seu processo decisório preocupações éticas.

Ao Padre António Fernandes o discurso económico não é alheio - diz que "é preciso estimular a economia, incentivar o microcrédito."

E também disso não vem mal ao Mundo: todos temos direito às nossas opiniões sobre Economia, e se alguma coisa já deveríamos ter aprendido nestes tempos é que nem as maiores sumidades do ramo, nem catedráticos de universidades prestigiadas, nem prémios Nobel, estão ao abrigo de asneirarem e de a realidade os desmentir a curto prazo.

Vou mesmo mais longe: a previsão económica do tolo da aldeia, e as medidas recomendadas pelo último dos cavadores de enxada, não são menos confiáveis do que as de muito albardado de diplomas com o peito coberto de medalhas.

Ainda bem que é assim: senão encarregávamos do governo um comité de especialistas, ao menos para tratar do crescimento, e a gente ficava para aqui a falar de Artes, Letras e causas fracturantes, assuntos que muitos de nós encaram com tédio.

Mas o Senhor Padre diz mais: diz que "despedir é pecado e uma grande falta de solidariedade."

Ora aqui temos a burra nas couves: porque bem vê, Reverendo, dá-se o caso que eu conheço muito patrão que despede (eu próprio fui um desses, e não estou em condições de garantir que não voltarei a ser) e a principal razão que os levou a enveredar por esse caminho não foi "despedir para ter mais lucro“, foi acreditar que se o não fizessem os trabalhadores - todos - se despediriam a eles próprios, porque a empresa iria à falência.

É claro que cada caso é um caso; e na classe dos patrões não há menos sacanas e oportunistas que noutra qualquer. É mesmo possível que algumas vezes o despedimento tenha origem na incapacidade para encontrar soluções alternativas para lidar com uma situação adversa.

Burrice, já se vê. Ser burro não é pecado, espero, Senhor Padre? Porque em Portugal os patrões (os pequenos; nada de meter aqui as luminárias do PSI20), como é geralmente sabido, são uma quadrilha de ladrões e uma súcia de ignorantes dobrados de patifes. Agora, pecadores, salvo para o Fisco, que de toda a maneira é um empreendimento do Demo - espero que não.

Preso por dar vivas à liberdade

Pedro Correia, 10.04.12

 

«Protege-te dos vacilantes /

Porque um dia saberão o que não querem»

Heberto Padilla

 

Vários dias depois, interrogo-me sobre o destino daquele homem que se encheu de coragem e gritou "abaixo o comunismo, viva a liberdade" pouco antes do início da vasta missa campal celebrada pelo Papa na Praça Antonio Maceo, em Santiago, segunda maior cidade de Cuba. Foi um grito insensato, atendendo ao contexto, mas as figuras tocadas pelo heroísmo não costumam caracterizar-se pela sensatez.

Vejo e ouço rostos e nomes de assassinos diariamente nas páginas dos jornais e nas imagens dos telediários. Por lamentável contraste, ignoramos tantas vezes a identidade destes heróis solitários que ousam proclamar em voz bem alta o que milhões de concidadãos pensam em países agrilhoados e amordaçados. Ao ver aqueles fugazes segundos de reportagem televisiva em que vários esbirros da ditadura cubana rodeavam o indivíduo e o levavam para parte incerta, pensei que aquela era a perfeita metáfora de uma revolução falhada: 53 anos após a vitoriosa entrada dos barbudos da Serra Maestra em Havana, basta alguém proclamar uma frase em louvor da liberdade para ser riscado da convivência cívica.

Infelizmente, nada que deva surpreender-nos: em Cuba qualquer cidadão pode ser detido a todo o momento com acusações tão vagas e tão implacáveis como "faltar ao respeito aos símbolos pátrios", algo que muitos comunistas portugueses associariam de imediato à ditadura salazarista embora estejam sempre na primeira linha do aplauso ao chamado "socialismo cubano".

O problema não reside apenas na facilidade com que se é preso em Cuba. Há "flagrantes violações da dignidade humana" nos cárceres castristas, como alertam opositores à ditadura, entre eles o médico Óscar Elías Biscet, que sabe muito bem do que fala: esteve 12 anos preso por delito de opinião.

Pensava em tudo isto enquanto acompanhava a missa papal em Santiago sintonizando o canal oficial cubano Cubavisión, de que disponho através da TV Cabo. Dir-se-ia um canal devoto, tanta era a solene deferência perante Bento XVI nesta sua inédita peregrinação ao país que Fidel Castro fez proclamar em 1976 como estado ateu até à revisão constitucional de 1992.

 

Escuto com alguma emoção o Credo recitado em coro por largos milhares de vozes. Na primeira fila da assistência à cerimónia litúrgica alinham-se respeitosamente vários membros da nomenclatura cubana, com destaque para o "general do exército Raúl Castro, presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros", como não se cansa de assinalar a locutora da Cubavisión. O irmão mais novo e herdeiro de Fidel saudou o Papa chamando-lhe "Santidade", algo impensável noutros tempos. Quase todos os bens da Igreja Católica foram "nacionalizados" após 1959 e dezenas de sacerdotes acabaram por ser expulsos da ilha, onde o ensino religioso foi proibido. Até 1991 um cidadão cubano tinha de se declarar "não crente" para ingressar no Partido Comunista.

"Ficaram para trás os anos de fanatismo anti-religioso em que as pessoas eram expulsas do trabalho ou da escola só por terem em casa um quadro do Sagrado Coração de Jesus", escreveu Yoani Sánchez no El País. O mesmo jornal que viu o seu correspondente em Havana, Mauricio Vincent, ser expulso da ilha em Setembro de 2011: os seus artigos independentes irritavam as autoridades comunistas.

 

Cuba deve avançar "pelos caminhos da justiça, da paz, da liberdade e da reconciliação", disse o Papa na sua homilia em Santiago enquanto a chuva caía, com persistência muito tropical. As imagens da Cubavisión focavam a multidão compacta, mas quase sempre à distância, com raros planos aproximados. A política contamina tudo - até a realização televisiva. O general Raúl Castro cumprimentou o Sumo Pontífice com uma semivénia respeitosa, a poucos metros da imagem da padroeira cubana, à qual Ernest Hemingway - cubano por opção e adopção - ofereceu a medalha recebida em 1954 pela Academia de Estocolmo que o distinguiu com o Nobel da Literatura.

Hemingway viu-se forçado a abandonar Cuba em 1960, o que lhe apressou a morte. Vivesse ele hoje e talvez acabasse por escrever um romance sobre aquele desassombrado cubano detido simplesmente por dar vivas à liberdade - anónimo herói da vida real. Robert Jordan - o protagonista de Por Quem os Sinos Dobram - gostaria de o conhecer. E era bem capaz de juntar a sua voz àquele corajoso brado solitário.

Foto: Enrique de la Osa (Reuters)

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