Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Forte Apache

A História incompreendida

José Meireles Graça, 13.07.12

Esta notícia é chata - muito chata. Se o saldo positivo resultasse unicamente de quebra nas importações, dir-se-ia, e seria verdade, que a redução de salários, o aumento do desemprego e a contracção do crédito - numa palavra, a diminuição do consumo - explicavam a evolução. Mas havendo crescimento das exportações; sendo a taxa desse crescimento genericamente maior que a dos países nossos concorrentes; e continuando a Europa em crise: como explicar a evolução?

 

Não pode ser por causa do Governo: excepto pela revisão das leis do trabalho não houve nenhuma medida que aliviasse as PMEs do seu fardo fiscal ou regulamentar, muito pelo contrário; e a banca continua a distinguir-se pela mesma inépcia que demonstrou desde a adesão ao Euro, financiando o que não devia, agora não sendo capaz de financiar o que deve.

 

É certo que os sindicatos incomodam pouco - as greves são lá uma coisa de sectores protegidos, companhias majestáticas e função pública. Mas os sindicatos já não incomodam há muito - os trabalhadores que correm o risco de perder o emprego ignoram-nos, excepto no dia das acampadas nos portões das fábricas, quando o caldo já entornou irremediavelmente e o sindicalista do costume vem dizer as coisas do costume. Também é certo que a pressão para aumentos de salários ou regalias está próxima do nível do mar; e nunca os trabalhadores tiveram tão boa vontade em viver os dramas das empresas que têm dramas.

 

Mas tudo isto explica pouco. E eu, embora pudesse, também não explico, que não estou para aí virado. Mas estou virado para pasmar com isto: a riqueza da argumentação e do enquadramento histórico para explicar por que razão houve um superavit em 1943 (a Europa estava em guerra e vendíamos a Deus e ao Diabo, no essencial) funcionam no sentido precisamente oposto ao pretendido, porque tornam ainda mais notável a performance de agora.

 

Em 1943, os preços eram oportunistas e o povo era sereno e miserável. Agora, o povo continua sereno (enfim, a maior parte) mas não se vende a quem precisa desesperadamente de nós, vende-se a quem foi conquistado com uma relação qualidade/preço que a concorrência internacional não acompanha.

 

Isto é estranho. Tão estranho que Irene Pimentel não entende.

 

Não esperava que entendesse.

O futuro à rasca

José Meireles Graça, 12.03.12

Dizendo-se "atónita com tanta passividade" portuguesa, a historiadora Irene Flunsel Pimentel concorda que as pessoas estão "amedrontadas, aterrorizadas e desorientadas, sobretudo porque não vêem nenhuma luz ao fundo do túnel. As que ainda têm emprego têm medo de o perder mas também não sabem muito bem o que fazer".

Eu também estou atónito, mas por se ter imaginado que uma multidão de espectadores de "concertos" de música popular, ingénuos e românticos, acolitados e enquadrados pelos profissionais da movimentação de rua (sindicalistas, militantes e esquerdistas de denominações várias), pudesse parir mais do que slogans e lixo.

Não digo a mesma coisa dos polícias, sargentos, praças e oficiais - esses têm tradição e, se a crise lhes afectar seriamente o modo de vida, precisam apenas de liderança e um simulacro de ideologia - coisas aliás não particularmente fáceis de arranjar - para refundar a Pátria desfalecida.

Agora, deixando de lado as manifestações e a importância imaginária que elas têm, realmente a luz ao fim do túnel é por demais bruxuleante.

Como cidadão, tenho também direito a sentar-me à cabeceira do divã onde o País languesce e interpretar-lhe a apatia. E digo que a indignação consequente precisa de um propósito: não basta dizer que isto está mal - está -, é preciso saber o que estaria bem.

O que estaria, então, bem? i) A receita do PCP e do BE? Um povo de fundo católico, de pequenos proprietários, empresários e trabalhadores de pequenas empresas, ao PCP já disse o que tinha a dizer, em Novembro de 1975, e tem voltado a dizer em todas as eleições. E o esfusiante Louçã nem sequer é consensual dentro da seita diminuta a que preside, onde aliás há uma facção que está muito mais distante dos comunistas que do PS; ii) A receita do PS? Mas se há coisa que as eleições mostraram, e as sondagens confirmam, é que o PS é considerado por uma sólida maioria o fautor principal da nossa desgraça - e é.

Resta a "Europa", o alfa e o ómega de todo o progresso, a "Europa" de onde veio o alcatrão, o Estado Social e modernidades várias - mas essa mesma "Europa" é o elemento mais intransigente da troika.

Por conseguinte, ainda que o desespero seja mau conselheiro e o Governo não cesse de dar tiros nos pés, com as opacidades no tratamento à banca, o atraso no reexame das PPPs e as excepções à austeridade, por exemplo e antes de um longo etc., não há realmente outro caminho, até onde a vista alcança.

O empresário que faliu, o funcionário que foi despedido, tal como o trabalhador demasiado velho para emigrar, o jovem que não consegue emprego, o empregado com qualificações e emprego mal pago que vê a sobrevivência à sombra do Estado de uns quantos plutocratas que ganham obscenidades à boleia das competências técnicas que os áulicos lhes propagandeiam - sabem disto.

Espero, e desejo, que no Governo também haja gente a saber. Às vezes não parece.