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Forte Apache

Parábola das PPPs

José Meireles Graça, 22.03.12

João Miranda, um osso duro de roer e pessoa que considero muito, conta uma parábola, que transcrevo:


"Aqui há uns anos o ministro de um país moderno decidiu dinamizar as exportações. Foi ter com um fabricante de frigoríficos com quem travou o seguinte diálogo:


Ministro:  Olhe lá, o governo tem um projecto para dinamizar as exportações. Verificamos que não exportámos para o Pólo Norte, verificámos ainda que o Pólo Norte tem a menor quantidade de frigoríficos do mundo.  Vai daí surgiu uma ideia: vamos exportar frigoríficos para o Pólo Norte. Quer ser o nosso parceiro?

Fabricante de frigoríficos:  Depende. Dão-me umas cláusulas leoninas no contrato?

Ministro:  Não pode ser. Temos que defender o interesse público.

Fabricante de frigoríficos:  Então não estou interessado.

Ministro:  Ok. Dou-lhe 2 cláusulas leoninas.

Fabricante de frigoríficos:  4

Ministro:  3

Fabricante de frigoríficos:  Ok. De acordo.

Ministro:  Negócio fechado?

Fabricante de frigoríficos: Ainda não. Só uma perguntinha: quem fica com o risco de os frigoríficos não se venderem?

Ministro: Você, claro.  Você é que é o empreendedor.

Fabricante de frigoríficos:  Bem, então não me interessa.

Ministro:  Ok. Nós ficámos com o risco.

Fabricante de frigoríficos:  Negócio fechado."


A parábola de João Miranda acaba aqui. Porém, acho que não devia. E continuo-a, por minha conta e risco:


Fabricante de frigoríficos:  Ei, Ministro, espere lá. E nos próximos governos, que garantias tenho eu de que os novos ministros sejam assim gente com visão, e respeitem o nosso acordo?

Ministro:  Ó homem, você não vai fazer um contrato comigo, mas sim com o Estado. E quem o vai redigir é quem nós sabemos - fica uma coisa à prova de bala. E não se aflija: o negócio vai correr bem, era preciso que o País ficasse à beira da bancarrota para o Amigo arriscar realmente alguma coisa. E isso não vai suceder, pois não?

Fabricante de frigoríficos:  Claro que não. Negócio fechado.

Faróis de nevoeiro

José Meireles Graça, 16.03.12

Ora deixa ver se percebo: i) A troika refere-se expressamente aos rentismos, à boleia da patetice verde ou das consequências do queinesianismo do alcatrão, com a recomendação de lhes cortar o cabelo; ii) Os contratos pelos quais gente dinâmica, muitíssimo esperta e bem relacionada, colocou proveitos seguros de um lado e riscos incertos do outro, comprometem-nos a nós, de um lado; e, do outro, banqueiros e investidores vários, uma parte dos quais estrangeiros; iii) Se incumprirmos ai Jesus sanções, tribunais e quebra de confiança por parte dos investidores, quer dizer de quem poderia cá vir ajudar-nos a sair do buraco da ausência de crescimento e da armadilha da dívida.


Por outro lado, parece que o preço da EDP incluía a constituição como reféns dos consumidores, isto é, a garantia de que a verdadeira concorrência é uma miragem, o parasitismo verde uma fatalidade, e o custo da energia para todos, incluindo os que produzem e exportam, um pesadelo.


Não falta por aí argumentação jurídica a gosto - e para esse peditório dou nada. Mas quanto às consequências económicas de optar pelo caminho A ou B esta muitíssimo interessante discussão entre Priscila Rêgo e João Miranda (o link é para o último post a respeito, há vários anteriores, de um lado e outro) deixa-nos o sabor algo amargo de que nenhum caminho é isento de riscos.


Por mim, o problema tem sobretudo uma dimensão moral e política, e é esta: a agiotagem é uma figura que caiu em desuso no discurso, mas não existe menos por causa disso; e um governo decente pode impôr sacrifícios aos seus cidadãos e, avaliando friamente as alternativas, tripudiar em cima de direitos em nome do mal menor; mas não pode condenar os seus cidadãos a um regime permanente de servidão sem esperança.


Traduzo, a benefício da clareza do discurso, que às vezes me falha: Apertar violentamente o cinto em nome do pagamento das dívidas que só por ignorância, imprudência, preguiça, corrupção e teoria económica delirante, foram contraídas - de acordo; meter-nos definitivamente na prisão perpétua da dívida, com carcereiros chineses ou plutocratas, nacionais e estrangeiros, por causa de papeladas e tretas que o cidadão não entende ou entende bem demais - pensem melhor.

 

Isto é, quem tem que decidir, que tanto Priscila como João fazem serviço público de qualidade em desentenderem-se inteligentemente - a mim ajudaram-me, e suponho que a muitos outros, a ver mais claro.