Não tenho, naturalmente, uma palavra a retirar ao que escrevi faz agora um ano sobre a revolução egípcia.
Ficam alguns excertos, para avivar memórias:
Contra as Cassandras. «No Irão, a clique teocrática não tem motivos para se congratular com as manifestações no Egipto, um país onde 20 milhões de pessoas – cerca de um quarto da população – utilizam regularmente a Internet. No Cairo, por estes dias, foi possível ver muçulmanos e cristãos orar em conjunto. Ali não se queimou uma só bandeira americana nem se gritaram palavras de ódio contra Israel.
O fracasso da “revolução islâmica”, há 32 anos, serve aliás de aviso e de vacina a novos movimentos destinados a destituir ditaduras: podem não saber ao certo por onde vão nem para onde vão, mas todos sabem que não irão por aí.»
Contra as bempensâncias. «Uma revolta popular pacífica, ordeira, participadíssima, onde as únicas bandeiras são as nacionais, deita abaixo uma tirania. Sem necessidade de intervenção dos marines norte-americanos, sem líderes "carismáticos", sem partidos ou igrejas a "organizar" as multidões.
Devia ser motivo de congratulação em todo o mundo democrático. Mas não é. Em redutos de opinião, bem entrincheirados nas suas certezas graníticas, analistas derramam por jornais e blogues o seu imenso desdém pela página histórica que acaba de se virar no Cairo.»
Contra os saudosistas. «Extraordinário: assume-se a defesa póstuma da ditadura para lançar um vigoroso anátema sobre a democracia que ainda nem começou a ser construída. Como se o mundo árabe sofresse de um atavismo genético que o torna incapaz de conviver ad seculum seculorum com estados de direito e o respeito escrupuloso dos direitos humanos.»
Contra as ditaduras. «Todas as ditaduras são más. A de Cuba, a da Coreia do Norte, a do Zimbábue, a do Irão - e a que acaba de ser derrubada no Egipto. Se amanhã a ditadura iraniana caísse, seria um motivo de alegria e de congratulação para todos os democratas. Como o é hoje a queda da ditadura egípcia. Não podemos ser democratas até metade da bacia do Mediterrâneo e 'compreender' a ditadura na outra metade.
Contra a demagogia. «Extraordinário Mubarak, tão amigo do Ocidente em geral e tão digno da admiração de Alberto Gonçalves em particular. E extraordinários "estudos de opinião" - não especificados pelo crédulo sociólogo - que "parecem" conjugar liberdade e lapidação no Egipto.
Não conheço nenhum outro pensador mundial capaz de associar um movimento pró-democracia à excisão feminina.»