Olhos nos Olhos com Luís Amado: A China, a geopolítica, os Balcãs, a América, a OMC, as dinâmicas (as dinâmicas são muitíssimo importantíssimas, não podem faltar a ninguém que veja o passado com nitidez, e o futuro com argúcia), o Euro, os tratados, a UE, os equilíbrios macro-económicos, et j'en passe: Luís Amado é uma espécie de prestidigitador que pinta um vasto fresco de banda desenhada onde o espectador não tem que procurar o Wally porque Amado sabe onde está e faz o favor de no-lo dizer, embora mesmo depois de o dizer não consigamos vê-lo, porque entretanto ficamos ourados.
Quanto ao passado: os gastos enormes que muitos governos europeus, entre os quais aquele a que Amado pertenceu, fizeram para combater a crise, eram indicados, como já tinha sido provado nos anos 30, embora as condições actuais não fossem as mesmas dos anos 30, razão por que o keinesianismo se justificava embora não fosse aplicável; a criação do Euro foi muitíssimo avançada e ambiciosa, talvez até avançada demais se se tiver em conta que os responsáveis à época não acompanharam a nova moeda com as medidas que Amado sempre achou que o Euro reclamava (este ponto não foi afirmado, apenas discretamente sugerido); e o Tratado de Lisboa foi um passo na boa direcção para corrigir alguns dos inconvenientes do de Maastricht, embora tivesse ficado aquém do objectivo em parte, e se revelasse contraproducente na restante.
Quem chegou a este ponto do programa estava mesmerizado por Amado - o homem é sereno, ponderado, de uma vasta cultura (no sentido geográfico, tanto está no Médio Oriente como na frase seguinte dá um salto a Beijing e se não o interromperem chega inclusive aos antípodas) e tem resposta encantatória e convincente para qualquer dúvida ou angústia sobre o futuro.
E onde está então o Wally? Ora, basta para já que a política orçamental, a financeira e a fiscal passem para as instituições comunitárias e logo os problemas do Euro, que é a moeda de um espaço que no conjunto tem uma situação muito menos grave do que a dos E.U.A., ficarão automaticamente resolvidos; e para os restantes desequilíbrios as doses adequadas de diálogo e negociação encontrarão a solução, como sempre sucedeu na "Europa".
O entrevistador não julgou útil perguntar-lhe como é que se resolvia aquela coisa dos Povos, e das nacionalidades, e das independências, coisas é verdade um tanto cediças. Mas, se perguntasse, Amado diria que a independência já não existe verdadeiramente, e não apenas para os países sob intervenção - estamos todos muito interdependentezinhos, essa é que é essa; e que, respeitando uma sensibilidade aqui, e uma excepçãozinha acolá, mais uns quantos comissários, subsídios, apoios e discursos, tudo se há-de resolver.
Não duvido - Luís Amado é daquela espécie de burocratas que a UE produz em doses crescentes para consumo interno e externo, este último sob a forma de confrades instalados nas opiniões e nos 27 Terreiros do Paço, especialistas em resolver problemas que o glorioso caminho da UE vem criando - trocando-os por outros maiores.