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Forte Apache

O perigoso mundo árabe

Luís Naves, 10.10.11

Alguns blogues decidiram desde Fevereiro que os países árabes não têm o direito de tentar construir democracias e que as ditaduras que estavam no poder eram bem melhores. Quem escreve a favor das primaveras árabes é ingénuo.

Os autores nunca explicam qual é a alternativa aos actuais processos no Egipto, Tunísia ou Líbia (suponho que defendem o regresso dos ditadores derrubados). E não se pronunciam sobre a repressão do regime de Bachar al-Assad na Síria (afinal, os adversários deste grande estadista são barbudos); o Iémen também fica muito bem com o seu general Saleh.

 

De um incidente ocorrido numa sociedade complexa extrai-se mais uma prova de que os actuais processos políticos são intrinsecamente maus. Veja-se este post em Cachimbo de Magritte ou este em O Insurgente. Fernando Martins e Rui Carmo não explicam aos seus leitores que a violência e a perseguição envolvendo a comunidade de cristãos coptas é recorrente no Egipto e que as informações sobre esses acontecimentos eram mais escondidas no tempo de Mubarak. Também nunca os vi elogiar um acontecimento favorável a estas revoluções, mas aqui seguem a saudável prática de que uma boa notícia não é notícia.

Sempre que há um incidente, lá surge um post destes, em tom de spleen fatigado de quem se fartou de avisar. Mas os autores nunca respondem às perguntas que certamente bailam na cabeça dos seus leitores: se é assim tão mau, que podemos fazer? Mubarak regressa? Proíbe-se a Irmandade Muçulmana? Deve a Europa apoiar um golpe de estado militar que sufoque o movimento de protesto iniciado na praça Tahrir? Acabar com o embrião de liberdade de imprensa? Proibir os partidos? Falsear as eleições ou, no mínimo, fazer uma chapelada? Devem as autoridades militares egípcias prender os defensores do Islão político ou de alguma forma retirar-lhes os direitos cívicos entretanto conquistados?

Podemos concluir que os autores não acreditam ser possível criar uma democracia viável no Egipto. Que o Islão é incompatível com a democracia parlamentar. Que os árabes não sabem pensar nem sabem resolver os seus problemas.

Enfim, gostava de ler uma resposta, embora saiba à partida que estas minhas perguntas ficarão assim no ar.

O verdadeiro clássico

Luís Naves, 23.09.11

O verdadeiro clássico será o pedido de adesão da Palestina à ONU. Tudo indica que estamos num momento histórico.

Um número relativamente baixo de 300 mil colonos israelitas tem o mundo inteiro sob o seu enorme poder. Estes colonos ocupam território da Cisjordânia, estão a expandir todos os dias as terras que controlam e são o único obstáculo de facto a uma pacificação neste conflito. Um aspecto menos conhecido: os colonos acham que têm o direito divino de ocupar estes territórios e expulsar quem lá esteja. Deus mandou.

Numa primeira análise, votar o pedido de adesão devia ser fácil. A Palestina é um Estado, sendo lógico que tenha assento na ONU.

Mas subestimamos a capacidade de chantagem internacional destes 300 mil colonos. Os americanos preparam-se para vetar a adesão, justificando-se com a necessidade de negociar primeiro. Ora, não há negociações porque Israel não tem qualquer solução para os colonatos (nem quer ter), preferindo a postura habitual de confiar na protecção americana. Qualquer administração que vote contra os interesses israelitas sabe que está perdida. O argumento de Washington é quase ridículo. Dou um exemplo, mas há outros precedentes: para o Kosovo não foi exigida negociação prévia e os kosovares nunca precisaram de negociar com os sérvios. As conversas que houve terminaram à nascença.

 

Nesta fase ainda de discussões entre as potências, as posições de cada país estão a desenhar-se e presumo que sejam as descritas no comentário. Tudo indica que os Estados Unidos estejam de facto isolados no Conselho de Segurança. Vão vetar um pedido de adesão justo sabendo que Obama perderia as eleições se escolhesse a abstenção. No caminho, o esboço de estratégia americana para o Médio Oriente jaz em ruínas. Os EUA hostilizam os seus aliados na região, mostrando que têm dois critérios e que jamais obrigarão Israel a negociar um entendimento com os palestinianos. Imagino a irritação dos sauditas ou egípcios, a satisfação dos islamitas, que assim assistem à confirmação evidente de tudo o que andaram a dizer sobre as democracias ocidentais. O veto vai radicalizar as primaveras árabes, alienar por dez anos aliados importantes e as opiniões públicas do mundo muçulmano.

A Europa mostra mais uma vez a sua fraqueza. Os países da UE no Conselho de Segurança podiam e deviam votar em conjunto e a favor do pedido de adesão, seguindo o instinto das suas opiniões públicas. Mudemos o nome do país e é o que todos defendem: direito à auto-determinação, a fronteiras seguras e ao controlo do seu território. Em relação às fronteiras, não existe qualquer dúvida: a própria ONU as desenhou e aprovou.

 

Como de costume, Portugal gostaria de passar entre as gotas de chuva, mas isso desta vez parece ser improvável. A brilhante vitória de conseguir um lugar no Conselho de Segurança verifica-se um presente envenenado. Como os europeus provavelmente não votam todos juntos, Lisboa não poderá dizer que o seu voto é europeu. Por outro lado, as pressões americanas desaconselham o voto favorável aos palestinianos; se votamos contra, perdemos toda a imagem de simpatia no mundo muçulmano. A abstenção é a irrelevância.

A jogada de Mahmoud Abbas parecia desespero, mas talvez seja de mestre. Um momento de definição, um dia histórico. E espero sinceramente que Portugal não se molhe, pois esta não é a nossa guerra.

 

 

A votação ainda não ocorreu. É possível um adiamento. A Autoridade Palestiniana pode arrancar alguma concessão de última hora e não apresentar o pedido. Os EUA podem abster-se, em troca de cedências dos outros sobre a Síria (por exemplo), e os europeus no Conselho de Segurança ainda têm a opção de votar todos juntos. Mas estes cenários radicais parecem pouco prováveis.