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Forte Apache

A mala de cartão com diplomas

José Meireles Graça, 29.06.12

Sempre ouvi dizer que o segredo para o sucesso da economia é a educação. Formam-se engenheiros, técnicos, cientistas às resmas, dá-se um diploma a toda a gente, de física atómica ou entomologia, e o progresso está logo ali, ao dobrar da esquina. Simples, basta esperar uns vinte aninhos para os benefícios começarem a aparecer, como frutos maduros.

 

Há ou houve alguma vez nos tempos modernos um país que de repente começasse a fugir à mesmice da estagnação, sem um grande esforço na educação? Não há, pois não? Ora aí está.

 

Há mesmo quem defenda que a superioridade chinesa, algo que durou pelo menos até ao Renascimento (parece, por exemplo, que a melhor tecnologia naval da época dos Descobrimentos não era a Espanhola ou Portuguesa ou Italiana, era a Chinesa) se ficou a dever à instituição do mandarinato, que permitia o acesso à classe dirigente não pelo nascimento mas pelo conhecimento.

 

Sucede que os países comunistas sempre acreditaram nesta receita; e, concomitantemente, "apostaram" na educação, com os resultados que se conhecem, não obstante um modesto triunfo, mais propagandístico que real, aqui e além. E nós, que temos "a geração mais bem preparada de sempre", no dizer pacífico e orgulhoso de quem nisso acredita, temos também a abjecta situação a que nos trouxe, entre muitas outras coisas, o despejar sem critério de milhões de dinheiro público por cima da educação, mais o empreendedorismo das fábricas privadas de diplomas com a chancela do Estado.

 

Manuel António Pina aponta o dedo premiado, fremente de indignação, a uns quantos privilegiados do regime, e põe-nos a eles de um lado e, do outro, os emigrantes, dos quais "muitos são engenheiros, arquitectos, professores, cientistas, que levam na bagagem conhecimento técnico, doutoramentos, mestrados, licenciaturas, e a frustração por terem nascido num país que os enjeita, castigando-os por terem perdido anos a estudar e qualificar-se ...".

 

O País não os enjeita pelo investimento que fizeram - castiga-os por não ser capaz de criar empregos. E não os criou nem cria por causa do mesmo Estado que acreditou na equação simplista de que mais ensino = mais desenvolvimento. O ensino é condição necessária mas não suficiente - fora preciso, além disso, que não fôssemos governados por gente que como Pina confunde correlações com causalidades e acha por exemplo que mais igualdade = mais desenvolvimento.

 

Pina não entende coisas complicadas - as ideias iracundas de motorista de táxi embrulha-as num português literário escorreito, a ver se ficam mais lúcidas.

 

Não ficam. 

 

O cinturão de bombas fortemente retóricas

José Meireles Graça, 19.02.12

A gente põe o fato e as garrafas, por causa da profundidade, e amarra uma corda à cintura, por causa do "pensamento torrencial", e deixa-se ir. Porém, é preciso primeiro responder a perguntas sibilinas e insinuações subtis. Exemplos:


A poesia não é uma forma de religião. Não é uma negação da realidade?

Nas suas crónicas fala repetidamente da expulsão dos poetas da polis e opõe os economistas aos poetas. O que significa isso?

É possível fazer poesia nos tempos da troika?

Manuel António Pina opõe o poeta ao economista, mas também a infância à idade adulta, em que a infância aparece como um sítio, quase um paraíso perdido...

Mas isso remete para a questão clássica da filosofia, perante essa espécie de morte de Deus na imensidão do cosmos: porque raio de razão faremos nós o que quer que seja?

 

O resto afina por este diapasão e Manuel António Pina está à altura, de uma forma só acessível talvez a José Pacheco Pereira, num dia de inspiração. Mas, apesar da sua brilhante performance, conclui desalentado que “a vontade que tenho era pôr um cinturão de bombas e rebentar com essa malta toda”. 

 

Não me parece mal a ideia do cinturão de bombas - desde que poupe a malta.