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Forte Apache

Peço desculpa, mas não sou neoliberal nem neoconservador. Sou velho liberal....

José Adelino Maltez, 04.05.12

 

As promoções do Pingo Doce foram uma festa, como diria uma qualquer ministra de Sócrates. As massas continuam a ir a toque de caixa. Não para a revolução, mas para o rancho. Depois das velhas catedrais da fé e das entusiásticas catedrais da bola, as catedrais do consumo...Eis os sinais dos tempos. Por mim, sou cada vez mais adepto da mercearia do nepalês...tenho o carro gripado, sou adepto da pluralidade dos divinos e gosto mais de ver a bola no sofá.

 

O movimento Pingo Doce gerou uma profunda divisão entre os que se assumem como liberais. Porque alguns deles querem o vazio de regras e outros lamentam que o Estado tenha, por um lado, falta de regras e, por outro, confusão de regras e impotência dos respectivos aparelhos de controlo. O Estado e o mercado são irmãos-gémeos. Eu prefiro menos quantidade de intervencionismos estadistas, para que o Estado possa ser mais forte, isto é, que o poder político seja eficaz na sua superioridade face ao poder económico. Julgo que o D. Sebastião das coimas é ridículo. Preferia voltar a dar dignidade penal às infracções à concorrência leal.

 

Não há liberdade económica com monopólios, monopsónios, oligopólios e oligopsónios, bem como com abusos de posição dominante. Cabe ao Estado regular e coordenar a economia, para os punir. Fala um antigo perito estadual no sector, alguém que até foi, na carreira, subdirector-geral da concorrência. Com o orgulho de ter participado tanto na liquidação dos preços tabelados, como no processo de não condicionamento da vida da grandes superfícies. Mas que não deixou de defender o Estado supletivo e de praticar a punição de prevaricadores públicos e privados, em matérias de oligopsónio, açambarcamento e especulação, com legislação equivalente à dos grandes Estados capitalistas do mundo. A falta que nos faz o velho ministério da coordenação económica...não é um problema de ministro, é um problema de peritos e de estruturas. E dos incompetentes, públicos e privados, que os decapitaram!

 

Tanto falta um adequado normativo interno, incluindo o europeu no contexto, como até há um vazio de uma regulação universal do comércio global. Fala um antigo vice-presidente do comité de práticas comerciais restritivas da UNCTAD. Que, sem ser por acaso, também participou no "julgamento" europeu de várias multinacionais abusadoras. Por cá, apenas temos vagas traduções em calão que estão a experimentar o laxismo do mostrengo, o que tem muita banha, pouco músculo, ossos descalcificados e falta de cérebro. Aquilo a que chamamos Estado...

 

Enquanto a economia, a ciência que trata dos assuntos do homem enquanto membro da casa, pode e deve ser regulada pelo lucro, mas não passa de coisa doméstica, já a política tem a ver com a justiça e começa quando passamos para o espaço público. Seria ofender o clássico princípio da subsidiariedade que o político quisesse ser empresário, ou que o empresário quisesse ditar a moral, a ciência dos actos do homem enquanto indivíduo e restrita à esfera da sua autonomia. De qualquer maneira, seria estúpido e suicida, que o político deixasse de ser a coisa arquitectónica destas sucessivas esferas da cultura, isto é, daquilo que a actividade humana acrescentou ao naturalístico. Isto não é liberal nem socialista, é greco-romano.

 

Peço desculpa, mas não sou neoliberal nem neoconservador. Sou velho liberal. Fiel à tradição da justiça, comutativa, social e distributiva, a que, pelo político procura dar a cada um segundo as suas necessidades, exigindo, de cada um, conforme as suas possibilidades. Esta frase é de Marx, plagiando São Tomás de Aquino e Aristóteles.

 

Não há liberdade sem normas. Não há igualdade sem igualdade de oportunidades. Não há fraternidade sem um espaço público de justiça.

 


Os úteis estilhaços do episódio Pingo Doce

Judite França, 04.05.12

Não há fome que não dê fartura, diz o povo. E tem razão: passo semanas sem escrever uma linha no Forte (e é só por minha culpa, minha tão grande culpa) e hoje os astros alinham-se para que eu tenha mais temas do que mãos para escrever...

 

Logo de manhã, apercebo-me que um Observatório dos Mercados Agrícolas (hã?????) já tinha topado as grandes distribuidoras. Por exemplo, 80% do preço final da alface fica na distribuição. 80%. E quando é o Observatório dos Mercados Agrícolas descobriu isto? Não interessa nada. Porque tudo se desenrola depois do episódio Pingo Doce.

Até lá, as margens de lucro da cenoura ou da pêra eram problemas de somenos importância com certeza. Mas agora, com o 1.º de Maio transformado em dia do consumidor desvairado, vamos lá falar das margens esmagadas dos produtores, sobretudo os agrícolas, que não têm armas para negociar verdadeiramente contra as grandes distribuidoras.

De cada vez que os hipermercados falam da produção nacional, e do clube dos produtores, e outras coisas que tais, basta passar pela zona da fruta e ver que os limões - sim, até os limões - podem bem ter vindo de muito longe.

O país acordou para o drama dos agricultores com anos de atraso e precisou do frenesi do 1.º de Maio para perceber que, se calhar, já se pensava em fazer alguma coisa a sério para resolver o problema. E não é preciso pensar muito: basta copiar o exemplo de alguns países europeus, que obrigam a que os hipermercados comprem alguns dos seus produtos localmente.

Simples, não? Se assim for, não será preciso negociar até à insanidade - são os produtores que ficam loucos de raiva, claro - com as distribuidoras, que acenam com as maçãs da América do Sul.

O Pingo Amargo

José Meireles Graça, 02.05.12

As centrais sindicais fazem parte do mobiliário da vida social, e têm assento no Conselho Permanente de Concertação Social, para manter um estado de coisas. Uma parte dos sindicalistas representa aquilo que o PCP acha que são os interesses dos trabalhadores, isto é, uma sociedade comunista adaptada às circunstâncias locais, outra parte aquilo que o PS acha que são os interesses dos trabalhadores, isto é, uma sociedade nórdica imaginária adaptada às circunstâncias locais, e, finalmente, uma outra ainda acredita representar os trabalhadores propriamente ditos, enquanto na realidade lhe cabe o papel de compagnon de route das duas primeiras.

Supõe-se que o Governo defenda uma certa ideia de interesse nacional, na concretização do qual vai negociando com os sindicatos e os "representantes" dos patrões, de modo a atenuar e, preferentemente, anular tensões sociais.

Tem funcionado bem. É porém carote (são os contribuintes que pagam o Conselho, e indirectamente as mordomias de muito sindicalista) e implica uma quantidade considerável de língua-de-pau: A CGTP nunca está satisfeita, nem poderá estar, por ser obrigada a dizer que quer aperfeiçoar o sistema que na realidade visa destruir; a UGT vive em perpétuo estado de fingimento por, concordando no essencial com o que o Governo do dia quer, ser obrigada a mostrar serviço; as associações patronais, que com frequência ainda são menos representativas que os sindicatos, tentam limitar os estragos das cedências dos governos; e estes colocam a barra mais alto, de modo a simular cedência, a fim de evitar "convulsões sociais".

A geringonça por estes dias anda emperrada: O Governo não pode fazer concessões para comprar paz, Troika oblige; a CGTP discorda das exigências que o protectorado implica, e hesita entre achar que a situação está madura para a Revolução, e achar que ainda não; a UGT quer, mas não quer, cumprir as exigências, tal como o PS, e espera que a "Europa" de uma forma ou de outra descalce a bota; as associações patronais quereriam mais cortes na despesa, menos impostos e mais liberalização, mas não tantas falências nem tanto desemprego - a coisa assusta.

O ambiente radicaliza-se. E é aqui que entra o Pingo Doce, o 1º de Maio e o golpe do saldo a 50% de desconto.

Se fosse apenas marketing marqueteiro, seria difícil de entender: i) o Pingo Doce não tem falta de notoriedade; ii) A clientela pode entrar em estado frenético com a enormidade do desconto, mas não vai no futuro deixar de comparar preços, e a fidelidade só se manterá se a cadeia não tentar recuperar depois o que perdeu agora; iii) A iniciativa não arredará concorrentes do caminho; iv) Salvo algum consumo oportunista (Glenfiddich Reserve 12 years a metade do preço - hum, a fome é negra), o grosso foi de bens de primeira necessidade, cuja venda se vai ressentir durante algum tempo.

Não, contas bem feitas isto não é marketing, golpe de génio comercial ou o catano: é política.

E é por o ser que a direita e a esquerda blogosférica salivam: uns porque acham que o empresário, quando falha, é incompetente e criminoso e, quando tem sucesso, é explorador e ladrão, e nada do que faça pode realmente beneficiar o trabalhador; os outros porque apreciam ter sido feita a prova de que o trabalhador mediano troca com facilidade feriados, passeatas a pé, bandeiras, amanhãs que cantam e ilusões por três carrinhos de compras a saldo, cheios até às bordas. Nada que não se soubesse, mas que ficou demonstrado de forma um tanto crua e por conseguinte imperdoável por parte da esquerda, que não aprecia que lhe desfaçam as ilusões.

A mim me parece que o Sr. Alexandre Soares dos Santos tem tanto direito a fazer política como outro cidadão qualquer. E que, dada a sua merecida notoriedade pública, não lhe faltam púlpitos. Mas se a porta do sucesso é estreita, muito estreita, e isso justifica a admiração por quem por ela conseguiu passar, o génio e as qualidades que exornam quem o conseguiu não dá garantias de nenhuma forma de lucidez na gestão da coisa pública. Tal, e simetricamente, como o sucesso na carreira política, até mesmo de estadistas, nunca deu nem dá nenhuma garantia de igual performance na carreira empresarial. É por isto aliás, entre outras razões, que o Estado empresário costuma ser um empresário falido.

Já bastam as listas de intelectuais e artistas a quererem influenciar eleitores com a imaginária autoridade que lhes dão as suas carreiras; os sindicatos a quererem fazer passar de contrabando sociedades alternativas, à boleia de reivindicações laborais: era o que mais nos faltava se, para fazer vingar pontos de vista políticos, os empresários desatassem a utilizar as suas empresas para fins que são alheios às próprias empresas.

O Pingo Doce tem todo o direito de tomar as decisões que entenda para a prossecução dos seus fins; mas não tem o direito de ser um player político, senão na exacta medida em que o seu sucesso, em Portugal e sobretudo no exterior, é um exemplo de que o capitalismo funciona.

Dia do Trabalhador passa a dia do consumidor

Pedro Correia, 02.05.12

Há textos jornalísticos que fazem a diferença. Pela qualidade da escrita, pela vivacidade do estilo, pela capacidade de observação que revelam. Deixo aqui um exemplo. É um texto intitulado «O ano em que o dia do trabalhador passou a dia do consumidor». E que começa assim: «No 1º de Maio foi o grupo Jerónimo Martins quem mais ordenou.» Vale a pena lê-lo até ao fim.

Um texto assinado pela jornalista Diana Garrido, do jornal i. Merece parabéns.

pingo

Rodrigo Saraiva, 02.05.12

Não deixa de ser irónico que muitos que se dizem preocupados com os prejuízos inerentes (dumping, dizem eles) da promoção do Pingo Doce sejam os mesmos que têm na ponta da língua o discurso contra os lucros de empresas como o… Pingo Doce.