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Forte Apache

Os preços máximos e o salário mínimo

José Meireles Graça, 17.05.13

O Governo da Venezuela resolveu promover a indústria de louças sanitárias, em particular o bidé, aproximar os cidadãos da natureza e da higiene, recomendando o consumo de água e sabão, e preservar as florestas, poupando no papel.

 

É este o significado da escassez de papel higiénico naquele país, que a bloga nacional tem verberado com piadas de gosto duvidoso, que além do mais deixam no ar suspeitas sobre a brancura de alguma roupa interior de muito blogger prestigiado.

 

Mas não apenas entre nós: o Guardian declara solenemente que "First milk, butter, coffee and cornmeal ran short. Now Venezuela is running out of the most basic of necessities – toilet paper".

 

A mais básica das necessidades?! Só se for para vós, ó filhos da Ilha! Que um verdadeiro cavalheiro ou uma verdadeira senhora não acham o rolo de papel absolutamente indispensável nem dele fazem grande uso, excepto se tiverem o azar de aterrarem em instalações mal equipadas, caso em que o risco é grande de se entupirem os esgotos.

 

Contudo, não é destes assuntos escatológicos que me quero ocupar, mas do salário mínimo: este senhor acha que a falta de papel deriva do controle de preços, e que, tal como o preço máximo ignorando o mercado provoca escassez, o salário mínimo provoca desemprego.

 

A mim convenceu-me, embora converter convertidos não requeira grandes esforços de argumentação.

Belmiro tem razão

José Meireles Graça, 19.03.13

Belmiro disse o óbvio: sem salários baixos não há emprego. Não é que não haja empresas que paguem salários altos - há; não é que não haja empresas que, podendo pagá-los, se abstenham - há. Porém:

 

1) As empresas que, podendo pagar salários mais altos, não o fazem, correm o risco de ver os seus melhores trabalhadores voarem para a concorrência. Se a empresa pode pagar salários mais altos isso quer dizer que está de boa saúde. E não é normal em pequenas e médias empresas uma receita que funciona manter-se indefinidamente sem que alguém a copie;

 

2) As diferenças abissais entre o que ganham os membros da administração e os trabalhadores são típicas de sectores protegidos da concorrência, ou nos quais a concorrência real é uma ficção (banca, energia, combustíveis, etc.), grandes empresas que, pelo volume de negócios, permitem remunerações da administração que, ainda que significativas, pouco pesam na estrutura de custos (na grande distribuição, por exemplo); e empresas de nicho que, por obstáculos à entrada ou simples qualidade da gestão - que não se decreta - alcançam resultados atípicos;

 

3) A ideia quase pacífica de que não é possível competir pelos salários baixos porque haverá sempre quem os tenha ainda menores (China, Vietname, Cazaquistão, o catano) é falsa. A proximidade, a flexibilidade, as pequenas quantidades, as condições de pagamento e o prazo de entrega, por exemplo, podem permitir (e permitem) vender mais caro do que a concorrência de países mais baratos. Mas isso não quer dizer que o preço se torne irrelevante e que possa acomodar o nível de salários que os poderes públicos e as organizações daninhas para a criação de emprego, vulgo sindicatos, estimam desejável;

 

4) A imaginação, a criatividade, a diferenciação, podem permitir (e permitem) a sobrevivência de muitas empresas, por demencial que a fiscalidade se tenha tornado, por ineptas que sejam as decisões que afectam a vida das empresas, por permeáveis que sejam os poderes públicos à influência dos sindicatos, numa palavra - por intrometido que o Estado seja. É fazer o bypass ao Estado, diz um consultor de gestão que estimo e admiro. Mas acreditar que os empresários criativos, inovadores e dinâmicos brotam de nenhures pelo expediente de lhes colocar obstáculos no caminho - requer, não lógica, mas fé.

 

5) Políticos, pensadores, economistas, sociólogos, sindicalistas, consultores, falam de modelos - ele há o modelo dos salários baixos, que faz os países pobres, e o modelo da tensão salarial, que os faz altos. Disparates: há países sem salário mínimo mas com salários altos, sem salário mínimo e com salários baixos, com salário mínimo e salários altos, e ainda com salário mínimo e salários baixos. Na situação em que o nosso País está, e na que estão os países para onde vai a maior parte das nossas exportações, aumentar os salários quer dizer aumentar as falências.

 

Ah, é verdade, os desempregados não pagam quotas a sindicatos. E boa parte dos que falam destas coisas nunca fez, não faz nem fará empresas. Nem precisam: recebem do Estado, estão nos cafés, cujas mesas estão inçadas de gestores de grande qualidade que nunca tiveram as condições para a porem à prova, ou imaginam que centenas de milhares de empresários à rasca estão à espera que o legislador os esprema um pouco mais, a fim de aumentarem os preços conservando os clientes, ou consumam os tesouros de imaginação gestionária que não têm visto a luz do dia, ou que vão buscar debaixo do colchão o tesouro acumulado com a exploração dos trabalhadores.