Os velhos, os rapazes e os burros
josé faz aqui a folha a Silva Lopes, um economista respeitadíssimo desde os tempos de Marcelo Caetano, saudavelmente de esquerda sempre que foi preciso, uma esquerda em permanente evolução e tida por muito lúcida por ter sempre receitas para corrigir as consequências dos erros que ela própria engendrou.
Esta lucidez leva-o a achar que "a geração grisalha não pode asfixiar a geração nova da maneira como tem feito até aqui" - precisamente o que acha uma boa parte da direita, seja por realismo seja por desconfiança em relação ao carácter público, compulsivo e exclusivista do nosso sistema de aposentações e reformas. E que isto seja dito por um senador socialista é bem a medida da falência da doutrina equívoca que lhe norteou a vida.
Há três poluições que tornam difícil ver este assunto com clareza:
i) Os economistas sérios demonstram o desequilíbrio do sistema; os economistas enviesados demonstram o equilíbrio e a viabilidade do sistema, por darem como adquiridas as transferências do Orçamento. Mas uns e outros pretendem deduzir uma política a partir de números. Ora, o sistema nacional de pensões não pode ser visto exclusivamente a essa luz. O sistema caminha para a falência sim, mas é uma simplificação abusiva tentar corrigi-lo dentro dele próprio, como se não houvesse expectativas legítimas, situações aflitivas, realidades sociais e ideias sobre o futuro. Não é possível ignorar o deve e o haver. Mas imaginar que o deve e o haver são tudo, e daí deduzir políticas, é o mesmo que pôr guarda-livros a gerir empresas. E esta é a primeira poluição, dar demasiada importância ao que dizem economistas e especialistas em finanças públicas.
ii) O Tribunal Constitucional já demonstrou à saciedade que entende que o senso comum não deve fazer parte da doutrina. Mas é uma posição intelectual e ideologicamente pobre declarar apenas como, por exemplo, Medina Carreira, que o que diz o TC não nos paga o jantar. Não é compaginável com o princípio da igualdade que histórias contributivas diferentes produzam pensões iguais ou que quem pagou mais, por ter pago durante mais tempo, receba menos do que quem pagou menos, por ter, por exemplo, um regime especial; e que se aplique o princípio da não retroactividade a pensões futuras, sob o pretexto de que o respectivo regime foi determinado anteriormente, no momento em que o beneficiário se reformou. São apenas exemplos, mas servem para demonstrar que a austeridade pode e deve ter um enquadramento jurídico. Estado de direito, lembram-se? E é esta a segunda poluição, desvalorizar a juridicidade, porque é complicada e contraditória - como se a Economia fosse, enquanto ciência social, mais simples.
iii) Fica a terceira, e mais grave, poluição, que é confundir a escolha de um sistema de segurança social dos cidadãos com a situação dramática em que se encontra a Segurança Social. Por mim, entendo que, logo que possível, deveriam os cidadãos poder optar por sistemas privados, desaparecendo a obrigatoriedade de contribuir para um sistema que autonomamente não lhes garante nada. E acharia isto mesmo que tivesse havido adequada capitalização e todas as pensões tivessem sido atribuídas dentro dos limites do que cada contribuinte gerou e tendo em conta a esperança de vida. Ou, por outras palavras, que a SS não estivesse falida.
Mas há a realidade, a puta da realidade. E quando vejo todos os que estão reformados, e os que não estão longe da reforma, a defenderem com unhas e dentes as suas pensões; e todos os novos a quererem abster-se de pagar porque sabem que não estão a fazer um depósito a prazo mas a sustentar pais, avós e chupistas:
Não posso impedir-me de pensar que caímos realmente muito baixo: não nos incomoda a ideia de enviar uns centos de milhares de velhos para o clássico monte com a clássica manta, desde que tenham o adequado castigo por se terem deixado aldrabar pelos Silva Lopes deste mundo.
Não se arranja melhor?