Psicanálise à crise
A corrupção é a principal doença do sistema político, seja através de nepotismo, clientelismo, suborno ou outras engenhosas formas de favorecimento. Uma sociedade nunca será verdadeiramente livre enquanto existir uma réstia de abuso de poder e não é coincidência que apareça nos países mais pobres, mais permeáveis à crise económica e com maior desigualdade na distribuição de riqueza. Precisamente por isso mesmo, é fundamental descobrirmos rapidamente uma cura para podermos superar a grave crise económica. Mas a verdade é que apontar o dedo é demasiado fácil e, se não quisermos ser hipócritas, facilmente observamos que o tráfico de influências está impregnado em toda a sociedade e convivemos diariamente com as cunhas, os arranjos e os favorzinhos.
Nas candidaturas de emprego, por exemplo, os jovens habituam-se desde cedo a utilizar todos os meios ao seu alcance para conseguirem uma oportunidade. E os instrumentos variam desde a influência familiar até à insinuação sexual que está tantas vezes latente nas entrevistas. É um jogo que aceitam fazer por ser mais eficaz que qualquer aptidão profissional e é o primeiro sintoma de um carreirismo baseado em premissas tribais primárias. Por outro lado, mais do que um colaborador competente ou um investimento em capital humano, os empregadores buscam uma sensação de poder que para eles é tão fundamental como a conquista do lucro. São instintos básicos próprios de uma sociedade primitiva e os catalisadores de uma noção de sucesso profissional que nos deixa uns furos abaixo dos nossos concorrentes do Norte da Europa.
Mas é evidente que esta cultura mediterrânica não se encontra só na gestão de pessoal. Em todas as áreas do negócio existem estas motivações subconsciencializadas, desde a contabilidade criativa até à abordagem comercial que coloca os produtos ou serviços cinco por cento mais caros para se fazer o obrigatório desconto de pagamento de cinco por cento. Todos sabemos que, sem este tipo de compensações imaginárias, há pessoas que não dormem e sofrem ataques de ansiedade. Porque a sensação de que estamos a ultrapassar alguém num negócio devido à nossa esperteza superior tem o efeito de uma injecção de heroína.
Podemos assim deixar de encontrar explicações matemáticas para a falência económica mediterrânica. De nada servem os modelos estatísticos ou as complicadas demonstrações macroeconómicas. A razão da nossa (tão falada) fraca resposta económica perante a crise económica e imobiliária tem raízes essencialmente psicanalíticas. Por isso, ponham de lado os economistas, dispensem os comentadores políticos – o que precisamos neste momento é de psiquiatras e psicólogos que façam uma boa terapia cognitiva e comportamental para reestruturar as motivações primárias dos empresários e cimentar relações económicas que não se desviem do seu objectivo principal. E no final talvez receitem um bom medicamento que cure estes comportamentos desviantes. De preferência um gigante supositório.