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Forte Apache

"Brancas" jogam e perdem

Pedro Correia, 31.07.13

Nunca tive a menor dúvida sobre a orientação do Tribunal Constitucional relativamente à questão das candidaturas autárquicas. Para mim, portanto, a decisão dos juízes do Palácio Ratton - hoje anunciada - relativamente à candidatura de Fernando Seara em Lisboa não constituiu surpresa. Vem na sequência de várias outras, emanadas dos tribunais comuns. Já tinha ocorrido em Évora, Loures, Tavira, AveiroAlcácer do Sal, Beja  e  Guarda. Com derrotas claras do auto-proclamado Movimento Revolução Branca (que raio de nome...) encabeçado por um ex-mandatário de Narciso Miranda. Alguém que só ganhou alergia aos chamados "dinossauros" do poder local depois de ter sido ferrenho adepto do tiranossaurus rex de Matosinhos.

Como já referi aqui e aqui, não faz o menor sentido limitar direitos políticos consagrados na Constituição da República com interpretações extensivas da lei ordinária. A ausência da clarificação que a Assembleia da República deveria ter feito ao diploma que interdita mais de três mandatos consecutivos na mesma câmara municipal ou na mesma junta de freguesia foi um erro que não pode ser compensado com outro, de maior gravidade. A melhor doutrina jurídica ensina-nos que a compressão de um direito só é admissível com menção expressa na letra da lei, não invocando um seu putativo "espírito" à mercê de calendários políticos.

Os "revolucionários brancos" terão de arranjar muito em breve outra causa para se manterem à tona das ondas mediáticas. Esta tornou-se um "não-assunto", como bem lhe chamou Vital Moreira. 

Para o TC e mais além

Francisco Castelo Branco, 20.06.13
A candidatura de Fernando Seara à Câmara Municipal de Lisboa foi chumbada. No entanto, o autarca de Sintra vai recorrer para o TC e quem sabe ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Não entendo como é que não se procurou alterar a lei em tempo útil para que não houvesse diferentes interpretações para casos semelhantes. 

Sem Seara na corrida, o PS tem a porta da CML escancarada. O chumbo da candidatura de Seara à CML é a primeira derrota de Passos Coelho nas autárquicas e ainda nem sequer começou a campanha. Em tempo útil, o líder do PSD e as estruturas da capital deveriam ter escolhido um sucessor para Seara quando este problema se colocou, já que todos conhecem a lentidão da justiça em Portugal. O candidato do PSD/CDS a Lisboa tem pouco mais de três meses para convencer os eleitores que é o melhor para liderar a maior câmara do país mas também que António Costa, para além de ser um mau autarca, está a usar a CML para dar o salto para o Largo do Rato. Em quase 90 dias é muito difícil mudar o sentido de voto a favor de quem corre por fora. Toda e qualquer solução estará ensombrada pela decisão do TC mas também pela figura do actual autarca de Sintra. Fernando Seara deveria aceitar a derrota e não causar mais embaraço ao seu partido, já que quem vai ter que justificar a derrota é o PSD e não o próprio. 

Não haverá tempo para Seara fazer campanha mesmo que o TC lhe dê razão e é pouco provável que o substituto consiga dar a Passos Coelho uma vitória que ele tanto necessita. 

O incidente antes do próximo

José Meireles Graça, 07.04.13

Encaremos os factos: anteontem a Esquerda, toda ela, teve uma vitória; e a Direita, toda ela, ficou num canto, ensimesmada, a lamber a ferida e a coçar a cabeça.

 

Não é surpresa: a Esquerda governa o País há quase quarenta anos, mesmo quando não está no Governo; e nas raras oportunidades que tem havido para reverter o rumo das coisas, sempre o espírito de compromisso, os princípios submetidos às razões táticas, o apego aos lugares com os quais o Centrão colonizou o aparelho de Estado e respectivo sector empresarial, e o medo "democrático" às reacções da clientela do Orçamento, que é hoje a maioria da população e do eleitorado, se conjugaram para anular qualquer veleidade de reforma, que aliás nunca foi senão timidamente defendida e, menos ainda, posta em prática.

 

Foi assim que a Constituição, cujo preâmbulo apontava o caminho do "socialismo" e continha efectivamente um programa de governo que deixava aberta a porta para lá chegar, foi aprovada, de má-fé, por dois partidos: pelo PCP e apêndices, que a    achavam útil não obstante conter elementos de democracia burguesa e cretinismo parlamentar; e pelo PSD, que a achava um progresso em relação à revolução da rua e fingia acreditar que a social-democracia era o que a Constituição defendia. A prolixidade, o tudo para todos que a Constituição é, como se os direitos económicos de uns não fossem as obrigações económicas de outros, foi o contributo do PS, uma associação de beneméritos com propensão para a generosidade a crédito.

 

O partido que ficou de fora da aprovação, o CDS, não tinha, como ainda hoje não tem, peso específico para influenciar significativamente o curso das coisas. Mas cabe referir que, se o PSD tivesse votado contra, as revisões que se foram sucedendo teriam podido ter outra profundidade, por ser mais nítida a clivagem esquerda/direita e mais equilibrado o espectro partidário.

 

Depois veio a "Europa". Então como hoje, o Centrão apostou todas as fichas na "solidariedade" europeia. E, mais tarde, comprometeu o País numa desastrada adesão ao Euro, um clamoroso erro de toda uma geração, que só ainda não é visto pacificamente como tal por os responsáveis que detêm as alavancas do Poder e da Opinião ainda serem basicamente os mesmos.

 

Chegámos aqui, na terceira edição da bancarrota que o regime democrático foi capaz de engendrar. E, mais uma vez, a curta oportunidade que houve de reformar seriamente o Estado, nos primeiros seis meses do Governo, foi desperdiçada por falta de lucidez (o prestigiado Gaspar é um estrangeirado que não conhece, nem entende, o País, e tem todos os tiques do apparatchik incompetente e europeu que efectivamente é), de coragem (os boys do PS e PSD só podem ser liquidados, e os poderes fácticos que minam a competitividade da economia portuguesa só podem ser afrontados, por quem esteja disposto a fazer hara-kiri) e erros de avaliação de forças: engolir acefalamente quanta prescrição idiota fazem os credores é, além de cobarde, não compreender que ajudá-los a receberem o que lhes é devido NÃO implica andar permanentemente de gatas.

 

No momento em que isto escrevo, está toda a gente em suspenso, no confronto atordoado das respectivas impotências. E arrisco que nada de dramático vai acontecer: uma remodelação talvez, uns cortes na despesa que deviam ter sido feitos há muito, uns aumentos de impostos para os "ricos", mais um esforço na "luta contra a evasão fiscal", mais uma renegociaçãozinha que a tróica fingirá ter grande dificuldade em engolir, et le tour sera joué.

 

Até ao próximo incidente. 

Pesos e contrapesos

José Meireles Graça, 07.01.13

E estamos nisto: Se o TC declarar a inconstitucionalidade das normas nas quais o Presidente tem dúvidas, cai-nos o céu em cima da cabeça; se não, toda a esquerda lembrará a suspeitíssima nomeação política dos Senhores Conselheiros, que explicará a decisão "favorável" ao Governo.

 

Entretanto, há tempo para pareceres sábios sobre o TC e a Constituição. Tropeçando neles, leio com atenção - tenho gostos estranhos em matéria de leituras.

 

Consideremos neste artigo o passo que diz: "... não é para isso que o Tribunal Constitucional serve. Pelo contrário, para além de servir para nos lembrar que temos uma Constituição, que somos filhos do constitucionalismo, serve também para nos recordar que no nosso sistema de checks and balances ..."

 

Para mim, este é o nó do problema: checks and balances. Uma Constituição, se serve para alguma coisa além da necessidade óbvia de regular o jogo político e a organização do Estado, é para defender o cidadão - dos abusos de outros cidadãos, e isso garante-se principalmente com o princípio da igualdade perante a Lei e o monopólio da violência por parte do Estado; e dos abusos do próprio Estado, e isso garante-se principalmente com a independência dos tribunais, o princípio da legalidade e uma longa lista de direitos, liberdades e garantias.

 

Mas a nossa prolixa Constituição foi, na lista dos direitos, longe de mais, porque quis garantir direitos económicos muito para além do da propriedade privada. E como boa parte deles só se pode exercer retirando recursos a uns para oferecer a outros, criou dois problemas: um o do crescimento das agências encarregadas da colecta, da distribuição e da fiscalização, em si mesmas improdutivas e consumidoras de recursos; e outro o da criação da crença difusa de que o mecanismo da criação de riqueza não é afectado pelas necessidades crescentes da colecta de impostos.

 

Esta mecânica infernal não podia acabar bem. E porque a patente contradição entre necessidades e recursos para as satisfazer recomendava uma impossível marcha-atrás no exercício dos direitos: enveredou-se, com o pano de fundo do crédito barato e abundante que o Euro propiciou, pelo caminho de gastar agora e ver depois - o que a longa lista de investimentos públicos patetas, na esperança louca de pôr o Estado a dinamizar a economia, contribuiu para agravar.

 

Dissesse a Constituição que a despesa pública não pode ultrapassar xis por cento do PIB; ou que os impostos sobre o rendimento não podem ir além de ípsilon; ou colocasse obstáculos à contracção de empréstimos e assunção de outros encargos para futuro: e teríamos um bom conjunto de balances que o TC haveria que ter em conta.

 

Mas é claro que não pode o Tribunal ver na Constituição o que lá não está; e, se lá estivesse, não precisaria provavelmente de ver - não tínhamos chegado aqui.

 

Razões por que, por ínvios caminhos, acabo por dar aos pesos e contrapesos tanta ou mais importância que a que lhes atribui o autor do texto referido acima. Mas temo que não estejamos exactamente a falar dos mesmos.

O desacórdão

José Meireles Graça, 06.07.12

Li o Acórdão (algumas partes em diagonal, não ando aqui para adormecer de tédio) e acho as razões do TC entendíveis e bem defendidas, incluindo a não aplicabilidade em 2012 das consequências da decisão.

 

Tenho lido na blogosfera, com agrado, opiniões juridicamente bem fundamentadas que abundam, no todo ou em parte, no mesmo sentido que o TC superiormente estatuiu.

 

Também tenho lido com agrado opiniões com excelente fundamentação jurídica, que acham o Acórdão absurdo no todo ou em parte.

 

Não me sinto habilitado a analisá-lo de um ponto de vista técnico. E, infelizmente, os que o podem fazer não concordam uns com os outros. Não é exactamente uma surpresa, visto que há constitucionalistas de esquerda, de direita, do centro, e ainda de qualquer das orientações, dependendo dos dias e do cliente.

 

Sou porém cidadão eleitor, e tenho por isso opiniões políticas; e empresário, e tenho por isso opiniões sobre economia; e maior de idade e dono da minha cabeça, por isso não prestando vénia a opiniões maioritárias, consensuais ou fundadas em argumentos de autoridade.

 

Sobram-me duas perguntas terra-a-terra:

I

 

Se a Federação Nacional dos Fabricantes de Colchas Adamascadas constatar a impossibilidade de sobrevivência dos seus associados no caso de terem de pagar os subsídios de férias e de Natal aos seus trabalhadores, e assim decida, unilateralmente, não pagar, a decisão está ferida de ilegalidade, devendo portanto as firmas irem à falência, porque os patrões nem têm crédito nem podem lançar impostos sobre as outras empresas. A pergunta é: nesta hipótese o Estado nacionaliza as empresas a custo zero, assegurando o pagamento dos subsídios, para garantir o direito à igualdade de tratamento das tecedeiras? E

 

II

 

Se o Governo decidir sair do Euro, repondo os subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos, aqueles subsídios, tal como os salários, verão o seu valor ser reduzido na proporção da desvalorização do Escudo, isto é, aí pelo menos uns 30 ou 40%. A pergunta é: os organismos representativos das empresas exportadoras poderão decidir aumentar os salários dos trabalhadores das empresas associadas, ao menos para repor o poder de compra perdido, criando uma intolerável diferença em relação aos outros trabalhadores e aos funcionários públicos?