Como se os algozes fossem vítimas
Um homem mata a mulher, de quem estava separado, e uma amiga dela, suicidando-se a seguir. Escassas semanas depois, a tragédia repete-se - com outro assassino e outras vítimas.
Aconteceu recentemente em Portugal.
Como já previa, não tardaram os depoimentos televisivos a desresponsabilizar os actos criminosos. Há sempre teses socialmente correctas para justificar os actos mais repugnantes.
Um canal generalista abordou o assunto, com a seguinte legenda em letras maiúsculas: "Crise e problemas financeiros explicam depressão social". Enquanto a voz da jornalista procurava configurar a situação desta forma: "Um futuro sem esperança para um presente em crise".
Os crimes concretos, com vítimas concretas, diluem-se nesta amálgama de frases destinadas a "explicar" a inadmissível violência homicida por factores sociais e até políticos. E nestas ocasiões nunca faltam psiquiatras a conferir um atestado de respeitável validade à tese implícita de que o gatilho é premido pela "sociedade" e não pelos assassinos.
"Numa sociedade deprimida há uma grande falta de esperança, as pessoas não têm perspectiva de futuro. Esta desesperança pode levar algumas pessoas a atentar contra si e contra outros", explicava um psi.
"As situações de crise, com desemprego e endividamento, são fundamentais na saúde mental dos portugueses", justificava outro.
A voz da jornalista insistia: "O consumo de antidepressivos aumentou, os casos de depressão também."
Pasmo com tudo isto - incluindo a sugestão de relação directa entre o consumo de antidepressivos e a morte de mulheres às mãos de maridos e companheiros. Pasmo com a pseudo-modernidade a pretender "contextualizar" os mais bárbaros atavismos com palavras de compreensiva condescendência. Pasmo com este cíclico jogo de passa-culpas dotado de um pretenso aval científico.
Como se os algozes fossem vítimas e estas, para merecerem um mínimo de respeito público, tivessem de ser assassinadas segunda vez.
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