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Forte Apache

Sobre impostos, empresas e pessoas

André Miguel, 01.08.13
Há um chavão muito popular entre a nossa sociedade que diz que aquilo que é uma empresa são as pessoas, são os seus trabalhadores, principalmente quando toca a reivindicar melhores condições e salários.

A nossa esquerda e os sindicatos adoram relembrar-nos deste facto, mais do que óbvio e elementar, motivo pelo qual me faz espécie esquecerem este pormenor quando chega ao pagamento de impostos pelas empresas; ora se estas são constituídas por pessoas, quem senão estas para pagar os impostos que recaem sobre as mesmas? Abro aqui um parêntesis para fazer já uma declaração de intenções: sou contra todo e qualquer imposto sobre as empresas, nomeadamente sobre o suposto lucro. Todo e qualquer imposto sobre uma empresa recai única e exclusivamente sobre dois tipos de pessoas: accionistas e trabalhadores; as empresas não pagam impostos. Mais: é uma perversão total taxar o suposto lucro obtido com trabalho e consumo já previamente taxados, quando na verdade qualquer gestor que saiba o que é fazer pela vida sabe que os "lucros" não existem, só existem os custos futuros. E digo suposto porque o lucro como o definimos é um mito, não existe como tal, não é objectivo, mas sim consequência de determinada actividade, a prova da validade da mesma; por isso prefiro a expressão de nuestros hermanos: benefício.

O socialismo é assim, e desde sempre, o maior entrave ao crescimento económico, pois na sua infinita bondade de tudo controlar, decidir e distribuir, lá do alto da sua caridade centralizada, necessita de cada vez mais recursos, vai daí taxa-nos pelo simples facto de trabalharmos, quando trabalhamos porque temos que comer, taxa-nos quando comemos e volta a taxar quem nos deu de comer não vá este obter algum lucro à custa das nossas necessidades. Assim, é óbvio que impostos sobre as empresas são menos salários e menos investimento, resumindo: mais pobreza. Se mais impostos resultassem numa sociedade mais justa porque não taxamos tudo a 100%? No fundo porque não nacionalizamos tudo o que mexe? Talvez Cuba e a Coreia do Norte sirvam de resposta, mas para mal dos nossos pecados, infelizmente, não nos decidimos, pois continuamos com essa coisa de "economia mista", seja lá o que isso for.

A antecipada parvoíce de uma crise vista ao longe

André Miguel, 06.07.13
Estamos a dar um triste espectáculo, sem rodeios e preto no branco é aquilo que vê quem está de fora.

Vítor Gaspar que era tão bom, tão competente, tão recto, a pessoa ideal para o leme em mar tempestuoso, afinal não aguentou a contestação do zé povinho. Simplesmente porque, como eu sempre defendi, era alguém que estava completamente desligado do país real, vivia de e para números, ou seja nas nuvens. A seguir o que faz o parceiro de coligação? Uma birra, pois bem. Excelso sentido de Estado, responsabilidade e comprometimento com a nação. Sem dúvida tudo aquilo que o CDS sempre defendeu... Ah não gostou da escolha? Azar. Discuta, proponha outra, faça o que entender (não tem uma reforma do Estado para apresentar?), agora bater com a porta com todas as mais que conhecidas consequências é andar a brincar e gozar com quem lhe paga o salário. Como se diz na minha terra mostrou o cuzinho todo, que é como quem diz a face: o poder pelo poder. Vai daí os tão famigerados mercados, tão odiosos e malvados, lá mostraram a verdadeira face desta palhaçada toda: que não governamos, nem nos deixamos governar, mas, mais importante ainda, que continuamos falidos, algo que parece escapar a uma grande falange dos nativos da Lusitânia.

Entretanto o circo continua, com a esquerda radical a masturbar-se com a crise despoletada e os socialistas a salivarem com o vislumbre da cadeira do poder. Há ainda por aí umas criaturas iluminadas que pedem eleições antecipadas. Em Portugal gosta-se muito de pedir eleições antecipadas. Aliás gostamos muito de antecipar seja o que for, basta ver a quantidade de criaturas-fazedoras-de-opinião que pululam pelos nossos media, como puro lixo tóxico, antecipando tudo e mais alguma coisa excepto a nossa tremenda incompetência para governar, enfim... O governo mexe no meu queijo? Eleições antecipadas! Há uma crise política? Eleições antecipadas! Eu muito me engano ou está mesmo tudo doido ou o calor está a dar cabo da tola a muita gente. A ver se nos entendemos: houve eleições há dois anos atrás, foram escolhidos os partidos para nos governar durante quatro anos. Falar em eleições novamente é uma total idiotice e uma tremenda infantilidade. É que não há outro adjectivo. Bonito seria sempre que um governo toma uma medida impopular (ui tantas que ainda há para tomar!) ou a qualquer crise política houvessem eleições. Mas esse tipo de gente não tem nada na cabeça?! Ou foram demasiado mimados na infância e os papás faziam-lhes as vontadinhas todas não antecipando a idade adulta?!

Menos mal que no meio disto tudo há um PM com bom senso. Não está isento de falhas e erros, que os tem como qualquer ser humano (é impossível agradar a gregos e troianos), mas tem aquilo a que se exige a um líder em momentos difíceis: é calmo, sóbrio e tranquilo. Algo que escasseia há muito pelas nossas elites. Portanto vamos mas é manter a calma, olhar em frente e continuar a trabalhar, pois por muito que nos custe ainda não há pão para malucos.

Confissões de um emigrante (2)

André Miguel, 11.05.13
Aqui por Angola chamam-nos expatriados, termo fashion in para designar alguém destacado para o estrangeiro por uma empresa do seu país natal, com algumas regalias garantidas pela entidade patronal.

Tretas, primeiro porque na grande maioria não há vinculo algum à empresa no país natal, e segundo porque na maioria o processo de recrutamento foi efectuado pela empresa estrangeira. Não somos mais que meros emigrantes, que viemos em busca de melhor sorte, tal como os nossos avós e pais há cerca de meio século atrás. Independentemente do nome que nos queiram dar creio que somos todos exilados; foragidos de uma república socialista que espolia tudo aquilo que mexe, que suga todo e qualquer fruto do trabalho, que estipula o valor do trabalho de cada um independentemente dos seus conhecimentos, esforço e dedicação, (des)governada, há décadas, por um punhado de iluminados que julga conhecer as necessidades e desejos de 10 milhões de almas, para por eles decidir o que é melhor para cada um.

Fugimos de um um futuro que não existe, por um presente por construir; fugimos de quem nos (des)governa, de quem julgou que a felicidade se comprava a crédito, que as dívidas de amanhã não importavam mas os luxos que hoje se compravam; fugimos de quem nos espolia em impostos para pagar a incompetência daqueles que nos atiraram três vezes para a falência; mas fugimos principalmente para ter voz, para mostrar o quanto valemos, mas sobretudo o quanto poderíamos fazer se isso nos fosse permitido. Regressar? Oh quanto o desejo... Mas só, muito provavelmente, quando isso não me obrigue a abdicar de metade do meu trabalho para alimentar um Estado glutão e omnipresente, que tudo controla, mas que é incapaz de garantir a minha liberdade de escolha, a não ser - por enquanto - a liberdade de emigrar.

A política da cauda curta

André Miguel, 23.02.13
Juan Arias no seu blogue "Vientos de Brasil" lança uma discussão sobre um tema deveras interessante e que tão ausente tem andado do espaço público.

Vivemos um tempo surreal, um tempo em tudo acontece depressa demais, um tempo que em duvidamos do que queremos, do que fazemos, desconhecemos para onde vamos. Um pequeno livro com o curioso título de "A Cauda Longa", de Chris Anderson, revela bem como o mundo mudou nas ultimas duas décadas, nomeadamente a economia, mostrando como vivemos tempos de abundância de escolhas, com uma oferta quase infinita à distância de um clique (paradoxalmente ao mesmo tempo que atravessamos a maior crise económica de sempre). Na cauda longa de hoje acabou a economia da escassez da prateleira, diante de nós temos a oferta infinita ao preço que cada um estiver disposto a pagar; a internet e as redes sociais foram os impulsionadores deste fenómeno, revelando aquilo que os consumidores querem ao mesmo tempo que o mercado cada vez mas alarga a oferta; quem não se adaptar fica para trás, hoje mesmo. Refiro isto apenas para mostrar como a sociedade evoluiu freneticamente, a evolução foi espantosa, assim como a capacidade de adaptação da mesma a esta nova realidade em que agentes económicos e consumidores se alinham incrivelmente rápido às necessidades de uns e outros, no entanto uma parte da sociedade, aquela que talvez mais influencia tem nos nossos destinos, continua praticamente inalterada desde há séculos. Resulta assombroso constatar como as instituições políticas, os seus agentes, as suas práticas, continuam praticamente as mesmas desde há muito, demasiado, tempo, chegando sempre tarde e a más horas à realidade do momento e quase sempre com resultados catastróficos. Veja-se como as decisões acontecem sempre muito depois do acontecimento. Até a crise financeira em que estamos mergulhados não foi mais que a cauda longa a funcionar nos mercados financeiros, onde estes se adiantaram incrivelmente rápido a toda a restante sociedade, deixando os políticos atordoados com que se passava à sua volta. No mundo das redes sociais assistimos ao acontecimento praticamente em tempo real, o mesmo é difundido a uma velocidade estonteante e em minutos todos tomamos conhecimento de determinado facto. Não é chavão, de todo, dizermos que a economia está sempre um passo à frente da política, mas o pior é que não é só a economia, mas todo o mundo em que vivemos. Podemos até ver como as respostas da classe política a qualquer crise chegam sempre tarde e a más horas; não há antecipação, porque não há análise, não se olha em redor.

Isto acontece porque a política detesta o risco, na política exigem-se resultados e estes são tão mais seguros quanto menor o risco das decisões a tomar, daí que o socialismo tão bem tenha vingado ao longo da história. O socialismo pressupõe o planeamento central, o controlo dos meios de produção, quando não mesmo os resultados dessa produção, e isso pressupõe a limitação das liberdades individuais como forma de eliminar o risco subjacente à escolha infinita, mas como Hayek tão bem provou, no "Caminho para a Servidão", é de todo impossível a um grupo restrito de indivíduos processar toda a informação da sociedade para decidir e planear com sucesso. E aqui chegamos ao político obsoleto perante a cauda longa que se estende diante do cidadão comum, o qual aos poucos vai fazendo ouvir as suas escolhas, bem como a sua voz, nas ruas, nos blogues, nas redes sociais e já não apenas com a cruz no boletim de voto. No entanto, por incrível que pareça, perante a ineficácia do Estado a maioria pede ainda mais Estado, mas há indícios de que algo, aos poucos, começa a mudar. Haja esperança.

"Entre nós é vergonhoso reconhecer a própria pobreza, mas pior que isso é não esforçar-se para escapar dela" (*)

André Miguel, 09.02.13
Camões terminou a sua epopeia com a palavra "inveja", como que atestando ad eternum, quiçá, a nossa pior característica enquanto povo. Invejamos especialmente o sucesso e a prosperidade, elegendo como alvo preferencial essa classe ignóbil que são os ricos. Invejamo-los não porque desejemos ser como eles, mas antes que eles fossem como nós: pobres. O português não quer ser como o rico, prefere que o rico fique pobre.

Isto jamais aconteceria numa sociedade onde fosse fácil e atingível enriquecer, onde o mérito fosse premiado e recompensado. É tarefa hercúlea enriquecer em Portugal. Até a cultura popular o atesta dizendo que "quem cabras não tem e cabritos vende de algum lado lhe vem". Por todo o nosso colectivo existe a imagem, bastante palpável, de que sem as ligações certas ou por meios obscuros dificilmente se enriquece em Portugal. Quem não nascer em "berço de ouro" parece condenado à partida à sua condição social, sendo que os poucos que nele nascem parecem tudo fazer para não terem sombras de outrem ao seu status quo, pois afinal o respeitinho é muito bonito e a concorrência só é salutar no futebol. Mas apesar de tudo, felizmente, existem (alguns poucos) ricos em Portugal, por isso apelamos a uma maior igualdade na distribuição de rendimentos, de preferência sob a batuta de sua santidade o Estado: que os pobres sejam menos pobres e os ricos menos ricos; que se apoiem os primeiros com os impostos sobre os segundos. Pelo Estado se enriquece, pelo Estado se empobrece.

E assim emigramos, procurando ser lá fora como os ricos que diabolizamos cá dentro. Enquanto não existir a liberdade de fazer escolhas e de assumir as suas consequências pela procura da prosperidade, sem o empecilho de um Estado controlador e manipulador, dificilmente o panorama irá mudar. Por isso emigramos, procurando e encontrando lá fora a riqueza e prosperidade que nos é negada cá dentro. Porque sabemos que a distribuição e a igualdade não funcionam, mas enquanto não assumirmos que sem criação de riqueza a única coisa a distribuir é pobreza estaremos todos condenados a esta última.


(*) Tucídides, As Guerras do Peloponeso

Confissões de um emigrante

André Miguel, 19.01.13

A discussão voltou a acender-se com a notícia de que a emigração teria aumentado 85% em 2011 e que em 2012 a Secretaria de Estado das Comunidades estima a saída de cerca 100 mil pessoas, na sua grande maioria jovens até aos 30 anos de idade.

O tema é complexo e de difícil abordagem, mas um país que se insurge contra o seu governo porque os cidadãos estão a emigrar em massa deve ser um país que julga que é obrigação do Estado dar emprego a tudo e todos. Os tempos da procura do progresso pelo investimento público para "estimular" o emprego (como a nossa esquerda tanto apregoa) acabaram e esperemos que não voltem mais.

Diz-se que não é uma decisão livre e espontânea mas uma inevitabilidade pela situação país. Até será assim em muitos casos, mas a verdade é que poderíamos trabalhar pelo salário mínimo ou numa profissão para a qual não estudámos, mas se não nos sujeitamos a isso e o mercado não oferece oportunidades há que as procurar lá fora. A emigração até serve como fuga ao saque fiscal em curso no país, portanto bem vistas as coisas existem bastantes vantagens, ganha o emigrante e ganha o país com as remessas do mesmo e a inexistência de encargos sociais com o desemprego. Se bem que saem muitos dos melhores, os mais ambiciosos, os mais empreendedores, os mais inconformistas, que tanta falta fazem a um país em crise. Claro que isto também causa uma ponta de revolta, todos gostamos muito do nosso país e custa imenso estar longe dos que nos são mais queridos, mas é o preço a pagar por melhores condições de vida e por oportunidades que de outro modo não existiriam. Por isso às vezes apetece-me apelar a todos os jovens, sem excepção, que emigrem, vão embora, virem costas a esse estado de coisas miserável, abandonem à sua sorte e deixem os oportunistas, as sangessugas, os velhos mentecaptos e senis senadores da nação a chafurdar na merda que criaram com anos a fio de desvario socialista com o dinheiro dos contribuintes, que deixem os parasitas sem hospedeiros contribuintes a quem sugar o fruto do seu trabalho. Afinal de contas Portugal nunca foi um país para jovens, não há um bom salário porque se é jovem, não se é promovido porque se é muito jovem - "ah e tal não tem experiência" - pois então os experientes e os sábios que se aguentem à bronca e resolvam a bela situação onde nos meteram a todos, como se diz na minha terra: desemmerdem-se. Mas o bom senso diz-me para não o fazer, porque penso nos que ficam, nos que não têm hipótese de sair, nos honestos e trabalhadores, nos mais velhos e nos pensionistas, que vêm uma vida de trabalho ir por água abaixo, que constantemente são chamados a pagar mais e mais contas e que a continuar neste rumo arriscam-se a pagar ainda mais.

Felizmente nada do que é permanece sempre igual e as coisas mudam, pelo que acredito no regresso. Apesar de tudo, e do muito que ainda há por fazer, sinto que aos poucos o país começa a entrar nos eixos, que o Governo não vacile e continue com as reformas, pelo que muitos de nós, certamente, regressaremos no futuro. Nem que seja para gozar o sol na reforma...

O progresso da nossa economia mista

André Miguel, 09.12.12

"Economia subterrânea e paralela é 25% do PIB português"

 

Um quarto, nada mais nada menos.

Quando as empresas privadas têm prejuízos fecham as portas, quando as empresas públicas têm prejuízos o Estado aumenta impostos, sugados aos primeiros e contra os quais concorre, para cobrir o desvario.

Quando se pagam impostos sem retorno é isto que acontece. Quando se pagam impostos para cobrir as asneiras de quem conduziu um país à falência é isto que acontece.

Qualquer imposto é um desincentivo ao trabalho e ao consumo. Quando o Estado fica com parte dos lucros de uma empresa está indirectamente a deter uma participação nessa empresa. Privadas? Pois... Quando o Estado fica com uma parte dos rendimentos do trabalhador está a confiscar parte do valor do seu trabalho, sendo aquele que sobra taxado novamente aquando do consumo. Não devem por isso existir impostos? Claro que devem, mas dentro de valores o mais baixo possível, caso contrário é isto que acontece.

E isto acontece porque a Economia e os Mercados são como a água: procuram sempre o caminho mais fácil e encontram sempre uma saída por muitos diques que lhes coloquem à frente. Se queremos alterar esta percentagem só há dois caminhos: ou se constrói definitivamente a barragem e o sacrossanto Estado fica com toda a economia e nos tornamos na Cuba da Europa ou deixamos definitivamente a água seguir o seu curso até chegar ao moinho de cada um. "Mistos" é que não podemos continuar a ser, ou somos carne ou somos peixe. Acredito que abraçaremos a segunda opção e que estamos a trabalhar para isso, mas quatro décadas de desvario socialista não se apagam de um dia para o outro. A cura dói e vai continuar a doer.

Ai aguenta, aguenta

André Miguel, 01.12.12

Esta prosa do colega de armas José Meireles Graça conduziu-me a esta vacuidade do Sr. Daniel Oliveira, o qual se mostra muito preocupado com a saída do país da geração melhor preparada.

Como emigrante agradeço desde já o adjectivo sobre a preparação, a qual na cabeça do Sr. Daniel Oliveira deve-se, certamente, unicamente à aposta na educação que o Estado depositou em nós. Isto de vivermos num mundo sem fronteiras, com liberdade de escolha e mérito próprio para procuramos o melhor, são coisa de somenos na cabeça da maioria da nossa esquerda. Se até Obama diz que não devemos a nós o nosso sucesso mas sim a terceiros é porque deve ser verdade… Enfim, adiante.

A certa altura atira o Sr. Daniel que este jovens “Eram sobrequalificados para o tecido empresarial português, que, por culpa própria e do Estado, não acompanhou o investimento público na qualificação do trabalho”. Engana-se meu caro. Foi precisamente o excesso de investimento público, o incentivo, a procura do progresso, o apoio e o subsídio financiado com os impostos sugados aos privados, juntamente com o crédito fácil e barato para o Estado que fez com que os nossos empresários, mesmo acompanhando a nossa qualificação, não tivessem meios de nos oferecer oportunidades. O Estado glutão tudo comeu e nada deixou até à entrada em cena do FMI. Como emigrante lhe confesso que dispensaria bem todo e qualquer apoio do Estado à qualificação do meu trabalho, deixe lá isso para quem paga os ordenados. O único apoio que o Estado devia dar ao mercado de trabalho era não apoiar o mercado de trabalho, sair da frente e deixar aos privados essa tarefa; o Estado não deve ser regulador e jogador.

Quanto à preocupação de não regressarmos permita-me tranquilizá-lo, pois regressaremos, fique tranquilo pois gostamos muito do nosso cantinho à beira mar. Também não se preocupe que sua santidade o Estado não ficará sem mão de obra qualificada. Hoje partimos, já expliquei as razões, mas depois de arrumar a casa, depois de todos os estragos de anos a fio a incentivar a qualificação do trabalho estiverem minorados, não se preocupe que Portugal voltará a necessitar os melhores e nessa altura lá estaremos e se não formos nós, certamente, outros estarão disponíveis. A certa altura diz ainda que “Desprezamos, enquanto povo, quase todas as conquistas dos últimos quarenta anos”. Fale por si, pois eu, jovem emigrante, tal como a minha família, orgulho-me de todas as conquistas de Portugal, pois não esqueço as histórias de miséria dos meus pais e avós no Alentejo do antigamente. E não, o país que construímos nas últimas décadas não está a partir, está a reconstruir-se. Até lá é aguentar, tal como nós emigrantes aguentamos a sua preocupação bem falante.

Futebol e Economia

André Miguel, 27.11.12

Somos um país de fantásticos futebolistas e porreiros futeboleiros; adoramos uma boa discussão de café sobre o nosso clube favorito, tanto como o tempo de antena que damos aos comentadeiros do costume.

Não dispensamos uma boa polémica sobre aqueles lances onde uma equipa acaba beneficiada por culpa do malvado árbitro, sendo que, por vezes, a cegueira do coitado é tal que toda a gente fica com a certeza que foi propositado para beneficiar uma das partes. E isso é intolerável, pois o árbitro deve ser o mais discreto possível a bem da sua imparcialidade. Não admitimos asneiras a tal figura. Ponto.

Ora o inverso acontece exactamente na nossa economia, onde temos um Estado regulador e craque da bola. E isto causa-me uma verdadeira urticária, pois não me entra na cabeça porque diabo permite o povo que o nosso Estado seja ao mesmo tempo árbitro e jogador.

O Estado Português legisla sobre a actividade económica, ditas as regras do jogo, mas depois intervém sendo rival, leia-se concorrente, de todos os jogadores em campo. E no fim do jogo ainda fica com uma parte do resultado da equipa que ganhou a partida – impostos sobre os lucros – bem como parte do prémio dos jogadores que contribuíram à vitória – impostos sobre os rendimentos dos trabalhadores. Fantástico, não é?

Isto é uma perversão total das mais elementares regras do capitalismo e economia de mercado, mas ninguém se indigna, ninguém protesta, ninguém reclama. Protesta-se, sim, exactamente pelo seu inverso: que o árbitro intervenha ainda mais, apoie ainda mais e facilite ainda mais. O problema é que quando um árbitro decide favorecer, só o pode fazer a uma das partes e aí alguém terá de arcar com a derrota, sendo que pior será a sua intervenção se o mesmo for jogador, pois claramente inclinará a balança a seu favor. Por isso é que perder por perder é sempre mais fácil de digerir se por falta de mérito próprio do que por decisão deliberada de alguém. Não perceber isto é não perceber absolutamente nada do que significou mais uma vinda do FMI a Portugal.

Um post ao acaso sobre Angola

André Miguel, 12.11.12
À beira de completar seis anos em Angola muita coisa há para escrever e contar, difícil é escolher e saber por onde começar, mas desde o início atribulado às peripécias do dia-a-dia, que só aqui acontecem, há algo que não mudou nestes anos: um quarto trimestre endiabrado.

Não sei se o mesmo acontece em todas as profissões, mas para quem, como eu, se dedica à logística e transportes internacionais a coisa é difícil de descrever. Este país vive do que importa e a produção local, apesar do aumento que se verifica, é ainda marginal quando comparada com as importações, sendo que estas, literalmente, disparam no último trimestre do ano; facilmente se duplica ou mesmo triplica o volume de actividade nesta fase. A correria é impressionante. Tudo se encomenda, tudo se compra e vende, com especial incidência nos cabazes de Natal, que são uma oferta de grande tradição natalícia por estas bandas. O fim de ano, pelos motivos óbvios, é uma época de grande consumo e Angola não é excepção, mas tem a particularidade de Luanda ser o seu grande centro comercial, a capital é o grande mercado abastecedor do país, pelo que o resultado é fácil de imaginar: se o Porto e o Aeroporto já são pequenos para a sua actividade normal e as ruas da cidade estão sempre congestionadas, imaginai nesta fase. A paciência de santo é quase requisito obrigatório.

E o volume de trabalho torna-se impressionante, o ritmo endiabrado, com muito pouco tempo livre. O dia-a-dia já é sempre bem recheado, pois um expatriado tem que render bem o que a empresa paga por ele, mas nesta altura do ano é coisa é indescritível.

Mas pelo menos é verão. Há sol e calor com fartura a convidarem constantemente à praia, aos almoços à beira mar e às festas nocturnas na Ilha de Luanda. Mas tanto calor também consome mais energia, pelo que o fornecimento desta fica um pouco mais irregular nesta fase. Em verdade se diga que a distribuição de energia em Luanda melhorou imenso nos últimos anos, mas ainda é usual passarmos um, dois ou três dias por semana, dependendo das zonas, sem energia eléctrica. E sem energia eléctrica podemos esquecer o duche, pois se a electro-bomba não funcionar não há como levar água até casa. Sobra o gerador, o qual, no meu caso, tem sempre a pontaria de avariar quando há mais falhas de rede. Sendo verão é também a época das chuvas, sendo que aqui quando chove vem água a sério, com todos os transtornos que podemos, ou conseguimos, imaginar numa cidade preparada para 500 mil habitantes e hoje com cerca de 5 milhões. O trânsito que já é quase tipo betão, fica pouco menos que impossível, pelo que a pontualidade para com os compromissos, que já é uma miragem, fica um mito. E depois temos as falhas de sistema; por uma incrível coincidência falha o sistema precisamente nos sítios onde temos algo a tratar naquele preciso momento.

Mas este ano, como se tudo isto não bastasse para testar a nossa resistência, uns tipos lá em Portugal, que é tão só o segundo fornecedor de Angola, lembraram-se de fazer umas graves nos portos, ou seja: já tínhamos a incerteza de quando um contentor sai do Porto de Luanda, mas agora temos a incerteza de quando o mesmo cá chega. Fantástico, não é?

Menos mal de daqui a pouco mais de um mês estarei de férias na planície alentejana e o resto é conversa...